O Anel dos Nibelungos - Contos da Mitologia Nórdica | Fantástica Cultural

Artigo O Anel dos Nibelungos - Contos da Mitologia Nórdica

O Anel dos Nibelungos - Contos da Mitologia Nórdica

Autores Selecionados ⋅ 18 abr. 2021
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Possuído de cólera, o anão exclamou: Maldito seja esse anel, e todos quantos o possuírem! Ele levará a desgraça a quem o usar! Seu poder mágico voltar-se-á contra os que dele esperam utilizar-se em benefício próprio!

O Anel dos Nibelungos, por Franz Stassen
O Anel dos Nibelungos, por Franz Stassen

O rio Reno corre entre risonhas terras de vinhedos, e dizia-se que guardava ouro em seu leito. Entretanto, ninguém havia ido procurar por ele, e aquilo mais parecia falatório de velhas crédulas, ou invenção de loucos e saltimbancos. Um ser havia na terra, apesar disso, para o qual aquele ouro era uma obsessão. Tratava-se de um dos anões, chamados nibelungos, que moravam numa selva próxima do rio, e mostravam-se hábeis em trabalhos de forja. Seu nome era Alberich.

Cobiçava tanto aquele ouro, o anão, que não teve receio de descer ao fundo das águas. Ali estava, com efeito, o ouro sonhado, cuja guarda fora confiada a três ninfas. Você também pode gostar: Thor na Terra dos Gigantes - Mitologia Nórdica (Mito Completo) Não se tratava, realmente, de uma guarda das mais seguras, embora as ninfas não se esquecessem de adverti-lo de que aquele que se apoderasse do ouro obteria o poder, mas nunca seria favorecido pelo amor.

O anão conservou-se firme em seu desejo, apesar da advertência. Conformava-se com a condição, pois preferia o poder.

De posse do ouro, e voltando à sua gruta, Alberich passou a comportar-se como um tirano. Obrigou seu irmão Mime a fabricar-lhe um elmo que o fizesse invisível e o habilitasse a adquirir diversas formas, bem como a transportar-se num instante de um lugar para o outro. Do ouro do Reno fez um anel, símbolo que lhe devia dar o poder.

As Ninfas do Reno, por Arthur Rackham
As Ninfas do Reno, por Arthur Rackham

Quando os deuses tiveram conhecimento de que o anão roubara o ouro, acabava de surgir ali, exatamente, séria contenda.

Os dois gigantes, Fafner e Fasolt, tinham terminado a construção de um castelo maravilhoso, o Valhalla, e por ele Wotan (ou Odin), deus dos deuses, prometera entregar-lhes Freia, a deusa da imortalidade, a encarregada de servil maçãs de ouro, aquelas com que os imortais mantêm-se eternamente jovens.

Wotan não estava muito disposto a cumprir sua promessa, e recomendara a Loki, deus do fogo, que procurasse alguma coisa em substituição, a fim de obter que os dois gigantes renunciassem a Freia. Aquele deus, porém, voltou dizendo que nada encontrara que se pudesse igualar a tão formosa criatura.

Foi com satisfação, portanto, que Wotan tomou conhecimento do roubo do ouro. Poderia apoderar-se dele e dá-lo aos gigantes, em lugar de entregar-lhes Freia.

Assim, ele e Loki encaminharam-se para a gruta do nibelungo. Encontraram Alberich, e este falou-lhes, excitado e vaidoso, nas virtudes de seu elmo. Wotan e Loki, porém, mostraram-se incrédulos, dizendo-lhe:

Loki, por Milivoj Ceran
Loki, por Milivoj Ceran

— Poderias, por exemplo, transformar-te agora num sapo?

A vaidade tomou o nibelungo. Ele realizou a metamorfose solicitada, e, imediatamente, o pé de Loki pousou-se sobro o animalzinho. Suplicou ele, inutilmente, que o soltassem. Os outros dois ficaram com o elmo e obrigaram-no a entregar o anel.

Possuído de cólera tremenda, Alberich exclamou:

— Maldito seja esse anel, e todos quantos o possuírem! Ele levará a desgraça a quem o usar! Seu poder mágico voltar-se-á contra os que dele esperam utilizar-se em benefício próprio!

Wotan mandou chamar os gigantes e ofereceu-lhes todas as riquezas que o nibelungo havia acumulado, valendo-se do anel, contanto que renunciassem a Freia. Eles aceitaram, com uma condição: tais riquezas deveriam ser em quantidade tal que cobrissem totalmente Freia, da cabeça aos pés.

Os tesouros foram sendo empilhados, e Freia ficou, realmente, de todo rodeada por eles. Inclusive o elmo mágico ali estava. Wotan havia reservado para si apenas o anel, mas, como por uma pequena fresta ainda era possível ver a deusa, até isso ele foi obrigado a entregar.

Anão Rei, por Tygodym
Anão Rei, por Tygodym

Passou assim o anel para a mão dos gigantes, mas em má hora para eles, pois assim que dele se apoderaram tiveram início as provas de que a maldição de Alberich seria cumprida exatamente. Com efeito, na ocasião de repartir o tesouro que Wotan lhes entregara, os dois gigantes desentenderam-se, começaram a brigar, e a briga de tal maneira acirrou-se, aquecida pela ambição e pelo ódio a ela consequente, que Fafner veio a matar Fasolt.

O anel voltou ao poder de Wotan, mas aquele deus, compreendendo que à joia estava ligado um malefício, resolveu que ele ficasse no bosque, guardado pelo gigante homicida, ao qual transformou em dragão.

Logo depois, Wotan, com sua esposa, Friga, mudou-se para o Valhalla, recentemente construído.

Wotan tinha filhas — as valquírias —, deusas de inefável beleza, coração forte e nobre proceder, cuja incumbência era acompanhar até o Valhalla as almas dos mortos que iam entrar para o serviço pessoal de seu pai.

Também a dois mortais Wotan dera o ser: Sigmund e Siglinda, que tinham sido separados um do outro desde pequeninos. Siglinda casara-se com Hunding, guerreiro de costumes bárbaros e maneiras brutais, que a levou a morar numa cabana rústica, no meio do bosque. Essa cabana estava construída em torno de uma árvore, em cujo tronco, desde tempos imemoriais, havia uma espada cravada.

Freia, por Johan Gustaf Sandberg
Freia, por Johan Gustaf Sandberg

Sigmund, por sua vez, levava uma existência de constante agitação. Ao fim de alguns anos resolveu procurar repouso no bosque, e dirigiu-se exatamente para aquele em que morava sua irmã. Ali chegado, em uma de suas peregrinações através das árvores encontrou a cabana de Hunding e Siglinda. Os irmãos não se reconheceram, mas as imagens de dragão, que em certos momentos parecem refletir-se nas pupilas deles, desde seu nascimento, terminam por identificá-los.

Siglinda, desde o momento em que reconheceu o irmão, já não conseguia mais suportar a companhia de Hunding. Deu-lhe, então, uma beberagem que o mergulhou em profundo sono, e incitou Sigmund a arrancar a espada da árvore, com o que ficará ela em condições de acompanhá-lo. O irmão faz o que lhe pede Siglinda, e ambos fogem dali.

Hunding, despertando, compreende logo tudo quanto se passou, e corre em perseguição de sua desleal esposa. Entro ele e Sigmund vai haver uma luta, cujo resultado não é indiferente ao Valhalla, pois que se relaciona com a sorte do célebre anel arrancado por Alberich ao fundo do Reno, e sôbre o qual pesava a maldição do nibelungo.

Wotan deseja a vitória de seu filho Sigmund, mas Friga, sua espôsa, está revoltada com a ilícita separação de Siglinda. Quer que o irmão dela seja castigado, e o deus dos deuses não se atreve a negar-lhe isso. Recomendara à valquíria Brunnhilde que auxiliasse Sigmund, mas, por fim, ele próprio dificulta o cumprimento de sua ordem.

Começa a luta, e a espada que está nas mãos do filho de Wotan quebra-se contra a lança de Hunding.

Wotan e Brunnhilde, por Ferdinand Leeke
Wotan e Brunnhilde, por Ferdinand Leeke

Brunnhilde, desesperada, pede conselho às outras valquírias, e elas resolveram levar Siglinda para o bosque onde está o anel de ouro, e onde nem Wotan nem os demais deuses podem entrar.

Ali chegando, Siglinda recebeu de Brunnhilde os pedaços da espada de seu irmão.

— Deves dá-los a teu filho, pois ele tornará a compô-la — disse-lhe a valquíria. — Neste bosque hás de dá-lo à luz, o ele se chamará Siegfried.


O anel de ouro permanecia no bosque encantado. Wotan ali o deixara na esperança de que chegasse o predestinado, que o recolheria e o devolveria à sua origem, ao fundo do rio, ao seio da Natureza, fora da qual a joia só servia para despertar toda a sorte das mais terríveis paixões e arruinar a paz entre os deuses e os homens.

O dragão guardava-o zelosamente, e assim passaram-se anos e anos. Entretanto, todos quantos conheciam a existência do anel não conseguiam esquecê-lo, pois ele lhes envenenara o coração.

O bosque é um lugar cheio de tocaias, de olhos que a todo o momento observam o dragão, que espiam os movimentos dele e querem adivinhar qual é seu ponto vulnerável. Sente-se rumor surdo de passos, estalar significativo de galhos. Quem ali penetrasse teria a sensação de que atrás de cada árvore podia haver um ouvido atento, e entre as moitas punhais assassinos, dispostos a tudo.

Siglinda tinha sido deixada ali pelas valquírias, e depressa nunca mais ninguém a viu.

Siegfried e Alberich, por Arthur Rackham
Siegfried e Alberich, por Arthur Rackham

Ao cabo de muitos anos o bosque apresentava um hóspede insuspeitado: um homem jovem, vigoroso, altivo, audaz. Era como que um raio de esplendoroso sol naquela densidade de sombras que guardavam segredos profundos. Para ele, o bosque era permanente oferenda, e magnífica, apresentada a seus braços e mãos, colocadas junto à sua boca. Havia ali ursos e cervos para que ele os perseguisse, e aves, que eram uivos difíceis para suas flechas, e árvores gigantescas sobre as quais ele subia, arroios de água fresca onde saciava sua seca ou gozava as delícias de um banho confortador.

Ele ignorava quem era, e morava com um homenzinho defeituoso, um anão, de caráter mau, que não podia ser seu pai, já que os filhos seguiam fielmente a forma daqueles que lhes tinham dado o ser. E ele não era anão, aquela cabeçorra asquerosa não se reproduzia na sua. Perguntou ao anão:

— Quem era tua mãe?

O anão respondeu que ela já morrera. Mas as mães morrem ao dá-los à luz? O anão preocupava-o. Tinha uma forja, e passava o dia inteiro fazendo espadas. Qualquer delas serviria para ferir, cortar, atravessar corpos de animais, mas o anão atirava-as para o canto, com gesto mal-humorado, assim que acabava de fazê-las. Que pretendia ele? As interrogações iam amontoando-se na cabeça do jovem, até então despreocupada.

O Anel dos Nibelungos, por Knut Ekwall
O Anel dos Nibelungos, por Knut Ekwall

O próprio bosque, que ele outrora tão ingenuamente gozara, transformara-se num motivo de inquietação. Por que estava ali? Por que, se cada animal vivia entre seus semelhantes, ele não tinha com quem comparar-se?

Frequentemente, acreditava ouvir, no canto de uma ave, no murmúrio de um manancial, algo diferente de simples manifestação da sua alegria de viver. Parecia-lhe que lhe diziam alguma coisa, que aves, feras e águas sabiam de alguma coisa que os galhos espessos lhe ocultavam.

Azucrinava o anão com perguntas, mas aquele respondia sempre com evasivas, até que um dia o levou, com rosto preocupado, até um recanto da gruta e mostrou-lhe uma espada em pedaços. Contou-lhe, então, uma história comprida.

Aquele anão era Mime, o nibelungo irmão de Alberich, e o jovem era Siegfried, filho de Siglinda, que morrera ao dá-lo à luz.

Mime raptara a mãe, com o fim de que o filho, destinado como estava a realizar grandes façanhas, se apoderasse do anel. Isso, porém, só se poderia fazer valendo-se da espada que Sigmund quebrara contra a lança de Hunding. Aquela mesma espada em pedaços, que Mime apontava agora a Siegfried, e a qual, não tendo podido recompor, tentara durante tanto tempo imitar.

Com a explicação de Mime, tudo adquiriu para Siegfried um sentido novo, um sentido que diferia completamente do de sua vida anterior. Via-se chamado a uma alta empresa, a ele destinada pelos deuses, antes mesmo dos tempos. Conheceu, finalmente, seu Destino.

Valquíria, por Peter Nicolai Arbo
Valquíria, por Peter Nicolai Arbo

O que o anão durante anos não conseguira, foi para Siegfried questão de momentos. A espada ficou reconstituída, e o coração do jovem enchia-se de prazer só do contemplar-lhe o brilho. Além disso, ela era grande, afiada, poderosa.

Com ela foi Siegfried em busca do dragão. Toda a selva estava cheia de rumores, como o de um hino dedicado àquele que ela esperava e que devia libertá-la de seu encantamento de tantos anos.

Subitamente, porém, fez-se absoluto silêncio. Mime, que tinha conduzido Siegfried até aquele momento, não quis continuar.

— Adianta-te sozinho — disse-lhe.

Siegfried deu uns passos, obedecendo. Afastou uns galhos, e, então, faces enormes, rubras e espumantes, e o olhar sanguinolento de olhos exorbitados, apareceram ante ele. Estava enfrentando o dragão.

Sem vacilar, Siegfried foi colocar-se diante dele, brandindo sua espada. Tomou fôlego, deu uma pequena corrida, e meteu-lhe o ferro pela boca, atravessando-lhe a garganta e indo cravar-lhe a ponta no coração, derrubando a fera, que tombou, vencida.

Antes de apanhar o anel, Siegfried bebeu um pouco do sangue do monstro. Depois, apanhou a joia mágica e o elmo que fazia invisível aquele que o usasse.

Siegfried e o Dragão, por Ciruelo Cabral
Siegfried e o Dragão, por Ciruelo Cabral

Ia ter com o anão quando uma ave, pousada num galho, dirigiu-lhe a palavra:

— Não confies em Mime, não confies em Mime.

Este o esperava, o rosto radiante.

— Estás suando, cansado, precisas recuperar tuas forças, bebe desta água prodigiosa — disse Mime, oferecendo uma taça ao jovem.

Nada mais pôde dizer. Siegfried descarregou a espada sobre a cabeça dele, dividindo-a ao meio. A taça rolou pelo chão, derramando o líquido que continha. Tratava-se de uma beberagem venenosa, que teria provocado a morte instantânea do jovem.

A ave foi acompanhando o herói, de galho em galho. Fala-lhe, agora, de Brunnhilde, a adormecida, encerrada num círculo de fogo: a que lhe estava reservada, se ele se atrevesse a cruzar tal barragem ígnea. A própria ave o acompanharia até a rocha onde ela jaz, há muitos e muitos unos.

O fogo traçava uma auréola de chamas em dança frenética. Levantavam-se com o dobro da altura de um homem e lançavam tamanho brilho e calor que seria impossível alguém acercar-se dela, mesmo a muitos metros de distância.

Ainda assim, Siegfried avança para as chamas, e cruza-as, impertérrito. Não temera o dragão, nem o fogo. Por que, pois, agora as pernas lhe tremem e seu pulso se acelera?

Valhalla, por Emil Doepler
Valhalla, por Emil Doepler

Brunnhilde ali aparecia, deitada, branca, formosíssima. Pela primeira vez, uma mulher surgia diante dele.

Estava profetizado: "se um mortal beijar-te tu te tornarás de sua mesma condição". "Eu sou tu próprio" — disse ela, ao seu libertador. E também: "Desde sempre te amei". Mas teria preferido que seus lábios não se encontrassem. Era, porém, querer o impossível. Siegfried soube o que era a paixão. E ela, dali por diante, iria conhecer a doença, a velhice e a morte.


Como Mime, Alberich tinha estado espionando pelo bosque do anel de ouro, mas sem conseguir aproximar-se tanto da posse dele quanto estivera seu odiado irmão.

Morreu com aquela dor, mas a obsessão do anel só conservava intacta em seu filho Hagen, que era, se possível, ainda mais cruel do que o pai.

Hagen tinha maquinado um plano diabólico para apoderar-se da cobiçada joia. Para isso, servia-se de dois irmãos, que com ele moravam: Gunther e Gutruna.

Siegfried e Brunnhilde moraram durante algum tempo na gruta em que vivera Mime. Ali gozaram as delícias do um amor correspondido e verdadeiro, mas chegou a ocasião em que a própria valquíria compreendeu que não devia retê-lo na ociosidade de uma vida retirada e doméstica. Incitou-o, inclusive, a tomar seu cavalo e a empreender as façanhas a que estava destinado.

Brunnhilde, por Arthur Rackham
Brunnhilde, por Arthur Rackham

O herói entregou-lhe o anel, como prenda de amor, e partiu, levando o cavalo e o escudo dela, e o elmo que o fazia invisível.

Em seu caminho pelo bosque, Hagen e Gunther saíram-lhe ao encontro. Mostraram-se como amigos que desejam prestar auxílio, e Siegfried aceitou-lhes o convite para passar com eles uma noite, ficando, entretanto, vários dias. Gunther era jovem, e depressa os dois fizeram-se camaradas, e tanto que chegaram a celebrar o Pacto de Sangue, que consiste em jurar fidelidade mútua, misturando, como selo dessa amizade, o sangue de ambos.

Hagen se regozijava com tudo aquilo. Seus planos caminhavam lindamente, e, para completá-los, fez com que Gutruna oferecesse a Siegfried uma beberagem que o levasse a esquecer Brunnhilde.

Tanto efeito produziu o filtro que Siegfried não podia recordar nada do que se passara posteriormente à morte do dragão. Brunnhilde ficava totalmente nas trevas de um passado que se apagara em sua memória. E, assim, enamorou-se de Gutruna.

Hagen traçara seu plano e ia realizando-o de maneira implacável. Fez com que Gunther dissesse que estava apaixonado por Brunnhilde. Siegfried não só não se ofendeu, como se ofereceu para ir, pessoalmente, obtê-la, e trazê-la para seu amigo. Para tanto, usaria de um processo que consistia em adotar o aspecto de Gunther, mediante a intervenção do elmo mágico.

A Caçada, por Peter Nikolai Arbo
A Caçada, por Peter Nikolai Arbo

Apresentou-se, pois, diante de sua antiga amada, que sentia imenso pavor. Usava Brunnhilde o anel que nela reforçava a lembrança de Siegfried, mas a chegada de um estranho com o elmo que o outro levara ao partir desconcertou-a ao extremo. Deixou-se levar para a casa de Hagen. Uma vez ali descobriu a atroz mistificação. O próprio Siegfried fingira ser Gunther, para levá-la aos braços do amigo!

Sua primeira reação foi um grito aos deuses, pedindo-lhes justiça. Mas como viu que Siegfried agia sem nada compreender, jurando com a maior tranquilidade que jamais atraiçoara as pessoas com as quais estava ligado, isto é, Gunther e sua irmã, percebeu Brunnhilde que ele era sincero, ao afirmar não conhecê-la, e que algo de misterioso e profundo havia em tudo aquilo.

Enquanto tudo isso se passava, a conspiração de Hagen continuava, preparando-se para um desenlace que seria fatal a alguém.

Organizou ele uma caçada, à qual deviam assistir Siegfried e Gunther. Inteirara-se de que o primeiro era invulnerável em todo o corpo, a não ser em certa região das costas. Tudo dependia de esperar o momento propício para apunhalá-lo.

A caçada decorreu agitadamente. Ao meio-dia, os homens repousavam, enquanto o seu jantar era preparado. Hagen colocara-se por trás de Siegfried, que se mostrava animado, com disposição para a conversa. Contava ele sua vida a partir de quando soube da existência do dragão, e falava em como chegou a matá-lo. Agora relataria o momento em que conhecera Brunnhilde. Hagen esperava, impaciente, e Gunther ia fazendo-se sombrio.

Crepúsculo dos Deuses, por Max Brucker
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Nessa altura, Hagen espreme o suco da recordação na taça do herói, e ele lembra-se da conquista de Brunnhilde. Imediatamente, dois corvos levantam voo, de um arbusto próximo.

— Entendes a linguagem das aves? — pergunta Hagen a Siegfried.

O jovem levanta-se para vê-las, e um punhal vem cravar-se, à traição, em suas costas, brandido pela mão de Hagen. Gunther atira-se sobre o amigo moribundo, e ainda consegue recolher-lhe a última palavra: "Brunnhilde!"

Hagen também quer atirar-se sobre o cadáver, com a intenção de arrancar-lhe do dedo o cobiçado anel, mas Gunther corta-lhe o passo. Brigam, os dois, e nesse momento ouve-se um cavalo que chega. Quem o cavalga é Brunnhilde. Vai, solenemente, para junto de Siegfried, e contempla-o durante muito tempo. Depois, ordena que levantem uma pira. Coloca sobre ela o cadáver, e acende o fogo. Quando as chamas alcançam bastante altura, a própria Brunnhilde atira-se entre elas.

O fogo cresce de forma desmesurada, e nuvem negríssima de fumo eleva-se, tendo Loki, mesmo lá no alto, no mundo dos deuses, rodeado com seus braços ardentes o próprio Valhalla.

Esboroam-se as paredes poderosíssimas, o esplêndido trabalho dos tetos esculpidos, as arcadas e os pavimentos do material precioso. As magníficas torres despedaçam-se, como que feitas de palhas frágeis. Cúpulas douradas, imensas, racham e se desagregam, transformadas em pó. Dentro, os deuses queimam-se no mesmo fogo que envolve Siegfried e Brunnhilde.

É o fim de tudo: a última consequência da soberba sem limites, da avidez de riqueza e poder.

Embaixo, na terra, a pira dos dois amantes já se extinguiu. Dela só existe um rescaldo entre branco, avermelhado, e cor de fuligem. Nele, apenas um pequenino objeto se destaca, fortemente iluminado pelo derradeiro fulgor: é o anel. Seu brilho conserva-se bem claro, durante toda a noite.

Ao amanhecer, algumas brasas ainda vivas soltam suas últimas fagulhas. Não se apagam sozinhas. Água, vinda não se sabe de onde, vai aos poucos cobrindo os restos do braseiro.

É a água do rio. Sim, a água do Reno, que vem buscar seu ouro. Do Reno, que devolve à natureza o que jamais lhe deviam ter tirado.


the one ring

Fonte:

Trechos selecionados de: SILVA, Fernando Correia. Maravilhas do conto mitológico. São Paulo: Cultrix, 1959.

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