Não sei se você já reparou, mas grande parte dos artistas é tarada por um socialismo. Já se perguntou por quê?
A resposta dos próprios artistas é a mais conveniente possível: eles são boa gente, são pessoas do bem, e para elas, o socialismo também é isso: uma ideologia para maximizar o bem da humanidade. Logo, se você se julga do bem, você precisa ser socialista.
Como é que cantava John Lennon? Imagine todos os povos vivendo em paz... Quando um político discursa sobre coisas boas, a gente já sabe que é só papo furado para obter votos, e que sua profissão consiste em dizer o que o público que ouvir. Mas quando o artista faz a mesma coisa, estranhamente, as pessoas acreditam ser algo sincero e congruente com o caráter do artista, e não um artifício para obter popularidade e dinheiro.
E no entanto, os artistas em geral acreditam na própria mentira. Pelo menos é o que me parece. Muitos artistas são de esquerda, mas nem toda esquerda é socialista — os socialistas de verdade concordam literalmente com o Imagine de John Lennon: imagine que não exista propriedade (isto é, abolição da propriedade privada, ideal máximo do comunismo), imagine que não existam nações (uniformização global da humanidade, outra máxima comunista)...
Apesar de Lennon imaginar esses "sonhos" sendo realizados voluntariamente, em uma festa global de hippies cirandeiros, na prática política só é possível fazê-lo pela violência totalitária. Os artistas, porém, não estão prontos a aceitar o fracasso e o banho de sangue como consequências inevitáveis do socialista aplicado (podemos chamar isso de negacionismo histórico?).
A paixão dos artistas pelo socialismo parece ter causa muito mais simples, na verdade. É muito menos ideologia, e muito mais uma adaptação psicológica frente a uma realidade que não lhes favorece: a maior parte deles não tem talento, e o público em geral não quer pagar pela arte que eles produzem.
No livre mercado, as pessoas são livres para consumir o que querem. Quando o artista-socialista vê sua produção desprezada, portanto, ele vê a própria liberdade do público em consumir o que quer como o problema. São evidentes o narcisismo e o autointeresse egoísta.
Se um marceneiro produz cadeiras de seis pernas e descobre que ninguém quer comprá-las, ele entende que seu produto não é útil ou não é desejável pela clientela em geral, e passa a produzir algo diferente. Na lógica do livre mercado, quem produz ou presta serviços está servindo à comunidade, voluntariamente, entregando às pessoas algo que elas precisam ou desejam.
Mas o artista-socialista é incapaz de aceitar essa realidade. Ao ter sua arte rejeitada, ele bate o pé e se convence de que alguém deve pagar pelo seu trabalho. Daí a solução mágica (aparente) do comunismo: o artista poderá fazer o que bem entender, e será pago por isso.
É claro que, na prática, os Estados comunistas nunca têm condições econômicas de bancar cidadãos inúteis, pelo que acabam os forçando a trabalhar em fábricas, plantações, etc., para garantir os insumos básicos da população. Os poucos artistas de carreira em Estados comunistas são aqueles permitidos e aprovados pelo Estado — e obviamente, são os que cooperam com a propaganda pró-Estado, e produzem arte em favor dos líderes ou em consonância com os valores e objetivos do Partido (vide história da arte na União Soviética).
Portanto, não se iluda. O que o artista-socialista quer é dinheiro, sem se importar com o real valor que seu trabalho está trazendo à sociedade. Devido ao seu narcisismo (em alguns casos, até megalomania), ele crê que qualquer coisa que produza é arte de grande valor. Ele crê que merece ser pago apenas por "ser um gênio". Quem conhece bacharéis em Artes provavelmente sabe do que estou falando. É o ethos da classe artística pelo mundo todo. Grande parte deles crê ser alguma forma especial de ser humano, quem sabe o próximo Salvador Dali ou Marcel Duchamp.
Ah, e não pense que isso só se aplica aos artistas menores, ou aos malsucedidos. Basta ver o quanto os grandes nomes da música, do teatro, da literatura e do audiovisual no Brasil são custeados por programas do governo, na lógica de que o trabalhador comum não precisa de subsídio, mas o artista, esta figura sobre-humana que veio dos céus para iluminar a humanidade com sua genialidade cultural, este precisa ser patrocinado com dinheiro público (ainda que o público não queira consumir ou pagar pelo seu trabalho).
Parte desse elitismo é o que motiva a diferenciação entre artistas e ilustradores, por exemplo. Artistas plásticos são considerados representantes da "verdadeira arte": demandam lugar nos museus e preços exorbitantes por peças de arte esdrúxulas (cuja criatividade geralmente se encontra apenas em uma balela conceitual, uma explicação da ideia da obra que só impressiona quem não conhece o ramo e as saladas de palavra dos artistas). Já os ilustradores são vistos como praticantes de uma classe inferior de arte: uma arte comercial, capitalista, em que qualquer um pode ser cliente, e que portanto não é especial.
Ironicamente, quem sustenta os artistas plásticos bem-sucedidos são os milionários, o chamado 1%. Isso cria certa dissonância lógica para os artistas plásticos socialistas: sua carreira inteira depende da existência de uma severa desigualdade econômica. A única alternativa ao financiamento dos milionários, para eles, é o financiamento estatal (isto é, via extorsão, pois 99% da população não deseja pagar nem consumir seus produtos, mas é forçada via imposto).
Enquanto isso, ilustradores, designers e artistas conceituais tendem a enxergar o livre mercado como natural e positivo, pois é através dele que se tornam bem-sucedidos, com base em talento e esforço. Estes profissionais buscam unir aquilo de que gostam àquilo que seus clientes precisam, e como essa estratégia funciona, o socialismo não lhes é nada interessante. E por buscarem agradar (servir) ao grande público, tendem a ser imensamente mais populares.
E cá entre nós: boa parte deles é de ignorantes, em termos de cultura. Conhecem pouco, entendem ainda menos, mas estão convencidos de que podem contribuir artisticamente — não por meio de esforço, trabalho duro, estudo constante, compreensão dos interesses do público; não, o desejo é de obter fama e dinheiro por meio da ocasional produção de uma peça de arte que, por ser sua, deve ser vista como genial e proporcionalmente compensada. Traduzindo: o artista, em geral, crê que é superior ao cidadão comum, e que merece mais fazendo menos.
Exceções existem, é claro. Muitas, inclusive. Mas a tentação para os artistas é muito grande: é difícil resistir à mentalidade coletiva da classe, à narrativa do gênio incompreendido, às possibilidades de subsídio estatal para "levar cultura à sociedade".
Parabéns aos que resistem.