Matéria original de Academy of Ideas
Em 1950, algo muito estranho passou a encucar o governo norte-americano. Após a invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte, manobra realizada com o apoio do regime comunista chinês, os Estados Unidos enviaram cerca de 300.000 soldados para defender a Coreia do Sul. Ao retornarem à América, porém, parte dos soldados parecia diferente.
Ao serem libertados dos campos de prisioneiros de guerra, muitos soldados americanos, em vez de relatar os eventos terríveis pelos quais passaram entre os comunistas, vieram a pregar as virtudes do comunismo e a defender a superioridade do modo de vida comunista.
Perplexo e sem entender como os chineses foram capazes de transformar esses americanos até então patrióticos em comunistas, o governo dos EUA chamou o agente da CIA Edward Hunter para investigar o fenômeno.
Hunter cunhou o termo lavagem cerebral (brainwashing) para descrever o que os chineses estavam fazendo com as tropas norte-americanas capturadas. Em seu livro Brainwashing, Hunter pintou um quadro angustiante, explicando que os chineses estavam usando lavagem cerebral para criar uma "raça de escravos":
A intenção é mudar radicalmente uma mente para que seu dono se torne uma marionete viva, um robô humano, sem que a atrocidade seja visível pelo lado de fora.
O objetivo é criar um mecanismo em carne e osso, com novas crenças e novos processos de pensamento inseridos em um corpo cativo. O que isso significa é a busca por uma raça escrava que, ao contrário dos escravos de antigamente, confia-se que nunca se revoltará, sempre obediente a ordens como um inseto a seus instintos.
— Edward Hunter, Brainwashing
O Dicionário Oxford de Inglês define lavagem cerebral como a "eliminação sistemática e muitas vezes forçada da mente de uma pessoa de ideias mais estabelecidas para que outro conjunto de ideias possa tomar seu lugar". De acordo com esta definição, a lavagem cerebral pode ser descrita como a tentativa proposital de mudar as ideias e crenças de um indivíduo.
No entanto, como todos nós somos bombardeados diariamente com tentativas de mudar nossas crenças, a lavagem cerebral precisa ser vista como uma tentativa radical ou extrema de mudar as crenças e ideias de um indivíduo. Como Kathleen Taylor apontou em seu livro Brainwashing: The Science of Thought Control, a lavagem cerebral pode ser identificada por duas características indentificáveis em suas vítimas:
Em primeiro lugar, aquele que sofre lavagem cerebral adota novas crenças e ideias que são drasticamente diferentes e Pavlov mostrou, por meio de experimentos replicados e replicáveis, como um cachorro, assim como um homem, pode ser condicionado a odiar o que antes amava e a amar o que antes odiava. muitas vezes completamente contraditórias em relação a suas crenças anteriores.
Em segundo lugar, a vítima de lavagem cerebral não adota essas novas crenças gradualmente, ao longo de meses ou anos, mas em um período muito curto e, na maioria das vezes, instantaneamente.
Ao debruçar-se sobre o fenômeno da lavagem cerebral, o psiquiatra britânico William Sargant observou algo inusitado. Sargant levantou a hipótese de que a vítima que sofreu lavagem cerebral de cunho político não é diferente do paciente de uma terapia cujas crenças são radicalmente mudadas por um terapeuta ou do religioso convertido que repentinamente alcançou a "iluminação" com a ajuda de um padre, pastor ou guru. Todos os três indivíduos passam por uma conversão repentina e, portanto, Sargant concluiu que estes três casos podem ser compreendidos pelos mesmos processos fisiológicos e psicológicos.
Assumindo que a hipótese de Sargant está correta, a busca por entender como um indivíduo pode sofrer lavagem cerebral de cunho político torna-se uma investigação muito mais ampla e importante. Torna-se a busca por entender como pessoas comuns são convencidas por terapeutas, padres, políticos ou quem quer que seja a transformar radical e instantaneamente não apenas suas crenças mais profundas e suas atitudes mais arraigadas, mas sua própria identidade e modo de vida.
Dando seguimento às suas pesquisas, Sargant deparou-se com os achados do fisiologista russo Ivan Pavlov, que julgou especialmente esclarecedores. Pavlov ganhou o Prêmio Nobel em 1904 por sua pesquisa sobre a fisiologia da digestão, mas mais tarde voltou sua atenção para o estudo do sistema nervoso dos animais. Suas descobertas nesta área influenciaram diretamente as técnicas de lavagem cerebral utilizadas pelos russos e chineses no século XX.
Em um experimento que muito interessou a Sargant, Pavlov impôs estresse físico e emocional a vários cães. Pavlov observou que eventualmente, quando um cachorro é submetido a estresse extremo, ele entra em estado de histeria. Incapaz de lidar com o estresse avassalador, o cérebro do cão é inibido e, de certa forma, ele desliga, incapacitando temporariamente o cão.
Curiosamente, Pavlov observou que, se o colapso fosse grave o suficiente, qualquer comportamento a que o cão tivesse sido condicionado anteriormente desaparecia. Ao longo da história, o medo tem sido usado possivelmente como o principal meio de controle social. Além disso, se ele tentasse condicionar um novo comportamento no cão logo após a ocorrência do colapso, o novo comportamento condicionado tornava-se profundamente arraigado no sistema nervoso do cão e, subsequentemente, muito difícil de remover.
Ao ler sobre o experimento de Pavlov, Sargant imediatamente compreendeu seu significado em relação à questão que atormentava sua mente.
A possível relevância desses experimentos para a súbita conversão religiosa e política deve ser óbvia até para os mais céticos: Pavlov mostrou, por meio de experimentos replicados e replicáveis, como um cachorro, assim como um homem, pode ser condicionado a odiar o que antes amava e a amar o que antes odiava.
Da mesma forma, um conjunto de padrões de comportamento no homem pode ser temporariamente substituído por outro que o contradiga completamente; não apenas pela ação persuasiva e doutrinária, mas também pela imposição de tensões intoleráveis a um cérebro que funciona normalmente.
— William Sargant, Luta pela Mente
Ao induzir uma conversão repentina, seja para fins políticos, seja para fins religiosos, a chave é, como observou Sargant, impor tensões intoleráveis ao cérebro. Essas tensões intoleráveis são efetivamente produzidas estimulando emoções intensas em um indivíduo até que seu cérebro fique sobrecarregado e entre em estado de histeria. Como mostrou o experimento de Pavlov, uma vez que tal colapso tenha ocorrido, o indivíduo será deixado em um estado de alta sugestionabilidade, pronto para abandonar todas as suas crenças e identificações emocionais anteriores.
Em outras palavras, essa pessoa estará preparada para aceitar novas ideias, crenças e até mesmo um novo modo de vida.
O filósofo William James também identificou que experiências emocionais intensas são eficazes na indução de conversões repentinas:
Situações emocionais, especialmente as violentas, são extremamente potentes na precipitação de rearranjos mentais. As maneiras repentinas e explosivas pelas quais o amor, o ciúme, a culpa, o medo, o remorso ou a raiva podem tomar conta de alguém são conhecidas por todos. Esperança, felicidade, segurança, determinação, emoções características da conversão, podem ser igualmente explosivas, e as emoções que surgem dessa forma explosiva raramente deixam as coisas como as encontraram.
— William James
Quase 200 anos antes de Pavlov conduzir seus experimentos, que mostravam aos "lavadores de cérebro" modernos a importância de estimular emoções intensas em suas vítimas, John Wesley, um clérigo anglicano e fundador do metodismo, intuitivamente percebeu a importância de estimular emoções no processo de proselitismo. Em seus sermões, Wesley convencia o público de que, se eles morressem repentinamente sem aceitar o Senhor em suas vidas, eles queimariam no inferno por toda a eternidade.
A personalidade de Wesley era tão carismática e seus sermões eram tão convincentes que ele era capaz de estimular em sua audiência um intenso sentimento de medo e ansiedade. Sobrecarregados com o estresse emocional causado pela visão do inferno eterno, muitos na plateia de Wesley literalmente colapsavam, em um estado de exaustão emocional. Como Wesley escreveu em seu diário:
Enquanto eu falava, alguém diante de mim caiu como morto, e logo um segundo e um terceiro. Cinco outros despencaram em meia hora, a maioria dos quais em violenta agonia. As dores do inferno vieram sobre eles, as armadilhas da morte os alcançaram.
— João Wesley
Depois de sucumbirem à exaustão emocional, os ouvintes de Wesley tornaram-se altamente sugestionáveis. Wesley aproveitou este estado oferecendo a seus potenciais convertidos a possibilidade de salvar suas almas trilhando o caminho da salvação.
Em sua angústia, invocamos o Senhor, e Ele nos deu uma resposta de paz. Um deles continuou por uma hora sofrendo forte dor, e um ou dois mais assim ficaram por três dias; mas os demais ficaram muito consolados naquela hora e foram embora regozijando-se e louvando a Deus.
— João Wesley
Por meio desta técnica de debilitar emocionalmente os indivíduos com medo e, em seguida, oferecer-lhes a salvação, Wesley conseguiu obter inúmeros convertidos.
Embora a indução do colapso emocional possa ser usada por líderes políticos e religiosos com o objetivo de fazer lavagem cerebral em indivíduos ou para convertê-los, estes colapsos também têm valor terapêutico. Como psiquiatra, Sargant defendeu a técnica de estimular propositadamente sentimentos de raiva e ansiedade em pacientes neuróticos até que um colapso emocional apagasse de seu sistema nervoso os pensamentos e comportamentos neuróticos que anteriormente os atormentavam. No entanto, embora essa técnica possa ser usada para fins terapêuticos, Sargant reconheceu que nas mãos erradas, ela poderá ser usada para controlar, manipular e explorar indivíduos. E nas mãos de quem dirige a sociedade, e que tem poder sobre a população, ela pode ser uma ferramenta de lavagem cerebral em massa.
Ao longo da história, o medo tem sido usado possivelmente como o principal meio de controle social. Os nazistas prontamente instigaram o medo entre as massas, afirmando continuamente que os judeus, se tivessem a chance, aniquilariam toda a população alemã. Por exemplo, Hitler uma vez advertiu o povo alemão com estas palavras:
O inimigo do mundo, o judeu capitalista que nos confronta, tem apenas um objetivo: exterminar a Alemanha e o povo alemão.
— Adolf Hitler
Nos dias de hoje, as coisas não mudaram. Os governos modernos divulgam relatórios diários sobre graves ameaças à segurança nacional ou potenciais terroristas conspirando para destruir a todos nós. O presidente George W. Bush uma vez instilou medo na população com o seguinte aviso:
A ideologia dos terroristas ordena-lhes que matem cristãos e judeus, que matem todos os americanos, e a não fazer distinções entre militares e civis, incluindo mulheres e crianças.
— George W. Bush
O objetivo dessas advertências e notícias constantes é incutir no cidadão comum um estado de medo contínuo. Esse estado de medo, como vimos, torna as pessoas altamente sugestionáveis e cada vez mais dispostas a aceitar qualquer política governamental que prometa segurança contra essas terríveis ameaças.
O objetivo todo da prática política é manter a população alarmada (e, portanto, clamando por ser levada à segurança), ameaçando-a com uma série interminável de bichos-papões, todos eles imaginários.
— H. L. Mencken
Embora todos nós sejamos bombardeados por essas tentativas de nos transformar em ovelhas permanentemente medrosas, ansiosas e, portanto, altamente sugestionáveis, Sargant deixou-nos alguma sabedoria a este respeito. Quando formos submetidos a essas notícias que buscam causar medo ou advertir-nos sobre inimigos que querem nos matar a todos, Sargant afirmou que a melhor atitude a se adotar não é o medo, a raiva ou a indignação, mas sim indiferença, combinada com um quê de deboche em relação ao ridículo de tais tentativas.
Um indivíduo que pode ser induzido a ter medo ou raiva por um político, pastor ou policial é mais facilmente convencido a aceitar o padrão de cooperação desejado, mesmo que isso viole seu julgamento normal.
Os obstáculos que o manipulador religioso ou político não pode superar são a indiferença e o deboche casual, controlado e contínuo por parte do sujeito em relação aos esforços feitos para derrubá-lo, conquistá-lo ou incitá-lo a discutir.
A segurança do mundo livre parece, portanto, residir no cultivo não apenas da coragem, da virtude moral e da lógica, mas também do humor.
— William Sargant
Fonte: Academy of Ideas https://www.youtube.com/watch?v=8isH2un-B-s&ab_channel=AcademyofIdeas