Os primeiros instantes são de pura mágica. Rejuvenescido por computação gráfica, Harrison Ford é outra vez o jovem Indiana Jones, o mesmo que conhecemos dos anos 80. Esmurrando nazistas, caçando relíquias sagradas e correndo sobre um trem em movimento, encontramos Jones em mais uma de suas clássicas aventuras, sem dever nada aos filmes originais.
Este, porém, é apenas o prólogo do filme: um flashback. E é a melhor parte. Cenas energéticas, humor inteligente, coreografias espantosas — nos sentimos em uma legítima sequência de aventura ao estilo de Steven Spielberg, agora pelas mãos do diretor James Mangold. Confesso que não conseguia parar de sorrir de satisfação durante a sequência: a cada momento havia uma nova surpresa, um novo evento criativo, e os personagens eram sempre forçados ao limite de suas habilidades para manter o ritmo e sobreviver.
A única reclamação que circula pela internet em relação a esta sequência inicial são os efeitos especiais usados para o rejuvenescimento do rosto de Harrison Ford, que muitos acharam pouco convincente, atrapalhando a apreciação das cenas. Pessoalmente, não notei nenhum sinal de manipulação por CGI. Como meus óculos foram deixados na ótica para a troca de lentes, minha miopia anulou de todo os defeitos especiais. Miopia ex machina.
Infelizmente, este milagre do cinema — uma versão moderna de um clássico com qualidade equivalente aos originais — terminou na marca dos vinte minutos, quando o filme de fato começa.
Seu herói é agora um velho gagá
A Disney é conhecida por suas tradições cinematográficas. Princesas, mensagens educacionais, filmes para toda a família... você já deve estar familiarizado. Uma das mais recentes tradições adotadas é a do herói caduco e decrépito.
Indiana Jones, agora, é um velho depressivo, arruinado, desiludido. Exatamente como Han Solo na terceira trilogia de Star Wars, Jones perdeu seu filho e está divorciado do amor de sua vida. E assim como Luke Skywalker, Jones parece apenas esperar para morrer. "Obrigado por me suportarem", ele diz aos colegas na universidade. Nem seus alunos o respeitam mais. Por alguma razão, os roteiristas da Disney amam desmoralizar e ridicularizar os heróis das gerações anteriores.
Transmutado na caricatura de um idoso ranzinza, Jones acorda com a música alta na casa do vizinho e, aos gritos e resmungos, vai bater à sua porta segurando um taco de baseball, vestido como um velhinho em um abrigo para a terceira idade. Certamente, é isso que o público espera de Indiana Jones, não?
Onde está a aventura?
Indiana Jones e a Relíquia do Destino é um filme tedioso, repetitivo, desinteressante e, ao final, frustrante. As aventuras simplesmente não são divertidas, embora diretor e roteirista tenham tentado imitar o estilo e a energia dos originais.
Em dado momento, Jones chega a dizer: "Isto não é uma aventura!" Se esta fala fosse inserida em um dos filmes originais, o público continuaria enxergando o filme como uma grande aventura, apesar da opinião do personagem. Em A Relíquia do Destino, porém, os eventos de fato não se parecem com uma aventura. A história não é intrigante, fantástica, exuberante ou energética.
Há uma perseguição nas ruas de Marrocos, supostamente planejada para ser uma sequência épica, divertida, engraçada e excitante. O que assistimos, porém, é um conjunto de cenas cansativas, repetitivas, e nada memoráveis. A sequência é caótica, e no mau sentido. Personagens pulam de lá para cá, colidem, saltam, trocam de carro... em teoria, deveria funcionar. Na prática, é uma confusão irritante.
E o mesmo vale para todas as demais cenas de ação do filme. Há alguns momentos bem-sucedidos aqui e ali, mas a maior parte é genérica e frustrante.
Passageiro em seu próprio filme
Três erros básicos de roteiro enfraquecem A Relíquia do Destino: a passividade do protagonista, a falta de uma motivação clara, e a falha em criar no público empatia pelos personagens.
Jones é forçado pelos eventos a participar da história, e durante quase todo o filme é arrastado pelas decisões dos outros personagens, sem uma motivação própria. Seus dois companheiros principais são Helena, sua sobrinha ladra, e Teddy, um adolescente batedor de carteiras. Ambos são mal-intencionados e desagradáveis, de modo que seus objetivos e desafios não funcionam para causar empatia no público. É apenas no final do filme que estes dois criminosos se redimem (em parte apenas), mas a estas alturas o espectador já está dormindo.
Se considerarmos que o protagonista de uma história é o personagem que move o enredo adiante por meio de suas decisões, então o protagonista de A Relíquia do Destino é Helena. Jones é passivo ou indiferente boa parte do tempo, exceto em alguns momentos, ou quando tenta fugir. Esta, aliás, é outra tradição da Disney moderna: anunciar um filme ou série com o nome de um personagem famoso (Loki, Willow, Gavião Arqueiro — Hawkeye, O Mandaloriano, entre outros tantos), e substitui-lo durante a história por outro personagem, de preferência feminino.
Até mesmo nas cenas finais, Jones é passivo — e quando tenta tomar uma decisão, a decisão mais crucial do filme, sua escolha é arruinada pela vontade da sobrinha, que o impede.
Com exceção do vilão, interpretado pelo sempre formidável Mads Mikkelsen, todos os novos personagens são desinteressantes e esquecíveis. Bem, com exceção também de Basil Shaw, pai de Helena e amigo de Jones (mas Basil aparece apenas no prólogo, e em um curto flashback mais adiante). Antonio Banderas interpreta um mergulhador, dono de um navio, mas é difícil sequer lembrar que ele esteve no filme. O adolescente batedor de carteiras, parceiro criminoso de Helena, não tem qualquer traço de personalidade marcante, nem carisma. Por alguma razão, ele sabe pilotar aviões os mais variados — apenas para poder realizar certo feito mais adiante. Aviação ex machina.
Ah, Sallah está no filme, mas apenas para fisgar alguma nostalgia e aparecer nos trailers. Ele não faz nada de relevante na história (na verdade, mal aparece).
Helena, mas não a de Troia
Em A Relíquia do Destino, Phoebe Waller-Bridge interpreta Phoebe Waller-Bridge, sob o pseudônimo de Helena Shaw. Qualquer semelhança entre a personagem e a atriz é inteiramente intencional.
Desde que os detalhes do filme foram anunciados, há alguns anos, o personagem Helena era o grande temor de muitos fãs. Phoebe Waller-Bridge é uma ativista feminista, em geral envolvida com personagens irritantes e desagradáveis. A expectativa era que, mais uma vez, o protagonista homem seria escanteado por uma mulher autoproclamada empoderada, que passaria o filme dando lição de moral progressista ao público, isto é, lacrando.
No começo, em sua primeira aparição, a personagem parece amigável e simpática. Descobrimos, porém, que aquela sua personalidade agradável era apenas fingimento para enganar Jones e roubar o artefato mágico. É então que conhecemos a verdadeira Helena: arrogante, egoísta, perversa e irritante. Sim: os temores se confirmaram.
Helena foi concebida, como personagem, para se opor a Jones em termos de valores morais. Isso é normal em cinema e literatura, pois provoca conflitos interessantes entre os personagens. Helena é uma ladra, cínica e desonesta, e só se importa com o dinheiro que pode ganhar com as relíquias; Jones, pelo contrário, quer levar as relíquias para o museu, ainda motivado por certa honra e nobreza. Teoricamente, o impasse de posturas seria interessante.
O problema é que se você quer introduzir um personagens imoral, como um ladrão ou bandido, é necessário adicionar-lhe traços positivos, para torná-lo ambivalente e permitir que o público goste dele, apesar de suas falhas de caráter. Helena, porém, não tem nenhuma qualidade que a redima.
Helena antagoniza Jones quase o tempo todo, sem razão aparente. Ela tenta, a todo instante, provar que é melhor que Jones, mais inteligente, mais engenhosa; que sabe esta ou aquela língua antiga, etc. A competição é estranha, pois Jones não está interessado em provar nada a ninguém, ou ser melhor que ninguém. É Helena quem insiste em se autoqualificar, chegando a se proclamar "engenhosa, ousada, linda, autossuficiente" — a marca mais óbvia de uma pessoa insegura tentando compensar seu complexo de inferioridade. Seu antagonismo gratuito a torna desagradável, e é difícil simpatizar ou se interessar por acompanhar sua história.
Fica, assim, a dúvida: estes personagens insuportáveis, será que são escritos assim de propósito?
Podemos dividir o público em três grupos: os que não sabem que há uma agenda ideológica feminista em Hollywood; os que sabem, e que enxergam claramente o antagonismo homem vs. mulher nestes filmes; e eu, que já estou suspeitando que os roteiristas estão sabotando a agenda feminista, fazendo as "mulheres empoderadas" (exigidas pelos estúdios) parecerem todas irritantes, inseguras, narcisistas, arrogantes, antiéticas e detestáveis. Que outra explicação haveria?
O final (spoilers)
A possibilidade de viajar no tempo, mencionada ao longo do filme, concretiza-se na parte final. Indiana tem a oportunidade de encontrar pessoalmente Arquimedes, personagem histórico referenciado várias vezes ao longo da história.
O encontro deveria funcionar como um momento mágico no filme, como quando Indiana Jones encontra o templário medieval em A Última Cruzada (o templário alcançara a imortalidade bebendo do Santo Graal, mas para dispor da vida eterna, jamais poderia abandonar a gruta sagrada). Em A Última Cruzada, sentimos a distância milenar entre Jones e o templário, a fantasia, o maravilhamento. Em A Relíquia do Destino, Arquimedes aparece, e embora o filme tente imitar a magia dos outros filmes, a sensação é de banalidade. O final é fraco, decepcionante.
O vilão é casualmente baleado, seu avião cai, e os nazistas morrem. O que deveria ser uma conclusão épica para a saga, um grande espetáculo de ação, de confronto entre o bem e o mal, termina como uma ejaculação precoce, após trinta segundos de expectativa frustrada.
E isso ocorre após uma demonstração dolorosa de o quão idiotas são os vilões. Seu plano era viajar no tempo para 1939, para que Dr. Voller matasse Hitler e o substituísse, a fim de vencer a Segunda Guerra e dominar o mundo. A viagem no tempo seria feita de avião, usando a relíquia mágica. O até então genial Dr. Voller, porém, vê-se transportado para a época errada (dois séculos antes de Cristo), e descobre-se sobrevoando uma cena de batalha da Antiguidade. Em vez de recalcular as coordenadas e voltar para os anos 60, ou tentar alcançar 1939, os nazistas ficam sobrevoando a região da batalha em círculos, sendo alvejados pelos projéteis dos guerreiros (estes achavam que o avião era um dragão). Em vez de se afastarem, por razões inexplicáveis, continuaram no local do conflito até o avião ser abatido. Burrice ex machina.
Indiana Jones decide ficar no passado, maravilhado com a viagem no tempo. É sua primeira decisão relevante em duas horas de filme. Helena, porém, dá-lhe um soco na cara e o põe inconsciente (algo que nem mesmo o capanga gigante dos nazistas conseguira fazer, com seus músculos colossais; nada como o soco potente de uma feminista magrela!), levando-o à força de volta aos anos 60.
Ao final, não ficamos sabendo o que aconteceu com a relíquia capaz de abrir portais para viajar no tempo. Jones, em dado momento, diz que se pudesse voltar ao passado, ele salvaria seu filho — que se alistara e morrera na guerra. Esta era, afinal, a razão de sua depressão, e foi o evento que causou seu divórcio com Marion. Entretanto, nunca mais escutamos sobre essa ideia, que seria uma motivação interessante para o personagem de Jones ao longo da história, algo capaz de causar o investimento emocional do público na narrativa. Uma oportunidade perdida.
Qual fim levou o instrumento mais poderoso da humanidade? O filme não parece dar a mínima.
Veredicto
Apesar do visível esforço de Harrison Ford em reviver o personagem, dando seu melhor, e apesar de outros tantos méritos do filme, como a trilha sonora de John Williams, este me parece o pior episódio da série.
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal era, até então, o menos apreciado dos filmes da franquia. O fato é que enquanto Caveira de Cristal é um filme de aventura razoável com alguns momentos ridículos, A Relíquia do Destino é um filme de aventura ridículo com alguns momentos razoáveis.
No cinema, quando a tela escureceu, o tema clássico da franquia começou a tocar. Estranhei bastante: a sensação causada pela marcha de Indiana, composta por John Williams, em nada se encaixava com o filme que eu acabara de assistir. Parecia a trilha de um filme divertido de aventura, cheio de energia e entusiasmo, personagens épicos e admiráveis, cenas maravilhosas e momentos de puro entretenimento; parecia a trilha de outro filme.
E era.