Apesar de ser um fator crucial em todas as sociedades humanas, o capital é pouco compreendido. Trata-se de um conceito bastante simples, mas por alguma razão, saímos da escola (ou da universidade) sem entendê-lo. Frequentemente confundido como dinheiro, riqueza ou capitalismo, capital é um fenômeno universal, inerente à espécie humana.
Eis a definição resumida:
Capital é poder em estado latente.
O que nos leva a questionar o que é poder:
Poder é a capacidade de concretizar uma vontade.
Naturalmente, a definição resumida requer uma explicação.
Se você vê uma maçã em uma árvore, e a colhe para comer, este é um poder que você possui. Você concretizou sua vontade. Se, no entanto, você precisa pagar para obter a maçã, você está usando uma forma de capital. Este capital (o dinheiro) é o seu poder latente (isto é, um poder em estado dormente, esperando para ser usada).
Quando entendemos o capital desta forma, fica claro que o dinheiro não é nem de longe a única forma de capital. Várias formas de capital são conectadas ao financeiro, como posse de terras, posse de bens, ações na Bolsa, possibilidade de receber crédito, entre outras tantas. Mas existe também o capital não financeiro.
É comum ouvir-se termos como capital social, capital humano, capital cultural, capital simbólico. Em geral, fala-se nestas modalidades em áreas como a antropologia ou a sociologia, mas no dia a dia, estes fatores concretos não são reconhecidos como capital. Vejamos um exemplo:
Beleza. Beleza é um capital. É uma forma de poder, uma vez que pode ser mobilizada para concretizar uma vontade. A beleza pode facilitar uma contratação, pode gerar simpatia (e as oportunidades econômicas e não econômicas que advêm dela), pode ser um requisito em certas profissões de maior prestígio (e maiores salários), pode garantir maior variedade entre os mais desejáveis parceiros românticos, dentre tantas outras vantagens.
Note que nem toda conversão de capital é de teor econômico. Numa perspectiva marxista, as dimensões não econômicas são perdidas, ou são tratadas como irrelevantes. Mas muito do que o ser humano faz não tem motivação financeira: desejo de pertencimento social, de reconhecimento, de amizade, de companheirismo romântico, de sexo, de hobbies, de diversão, de exploração (no sentido de satisfazer curiosidades), de "transcendência espiritual", de alinhamento com valores éticos, de se sentir útil, de proteger as pessoas amadas, de obter conquistas pelo prazer da competição e da vitória, entre tantas outras.
Outros exemplos de capital:
- Capital de reputação: precisa ser construído ao longo do tempo, e influencia as oportunidades e o reconhecimento de um indivíduo. Pode também ser mobilizado para se defender de calúnias.
- Capital de conexões sociais: às vezes se dá pelos contatos prévios da própria família do indivíduo, mas pode ser construído via interações e alianças com base em interesses mútuos. As conexões sociais influenciam diretamente as oportunidades de uma pessoa em várias áreas de sua vida.
- Capital de credenciais: obtém-se com títulos (rótulos sociais de reconhecimento) diferenciadores, como uma pós-graduação, ou cargos elevados no funcionalismo público.
- Capital de carisma: comumente é uma característica nata de certos indivíduos, que pode ser usado para obter vantagens em diversas áreas.
- Capital cognitivo: é a inteligência, ou a capacidade de raciocínio.
- Capital de conhecimento: é a totalidade de informações que um indivíduo acumulou, geralmente via estudo e prática.
- Capital de saúde: trata-se da manutenção adequada do próprio corpo, algo que afeta todos os demais aspectos da vida (uma vez que sem o adequado funcionamento do corpo, nada se pode fazer).
- Capital emocional: refere-se à estabilidade emocional, à resiliência, à maturidade e outras aptidões para lidar com os desafios da vida.
Seria possível pensar em mais dezenas e dezenas de outras modalidades.
Assim como o capital financeiro, estas outras formas de capital podem ser acumuladas, para serem utilizadas posteriormente (isto é, convertidas em poder para realizar vontades, econômicas ou não), ou podem ser desperdiçadas ou perdidas. O importante é ter em mente que o capital não é fator somente econômico, e que muitas das assimetrias sociais ocorrem devido a diferenças de capital não financeiro — alguns sendo fatores pouco controláveis, como beleza, aptidões natas, genética, inteligência, temperamento, preferências, e outros sendo o resultado de nossas ações ao longo da vida, como reputação, conhecimento acumulado e conduta ética.