Esperidião - Conto de Horror de George Sand | Fantástica Cultural

Artigo Esperidião - Conto de Horror de George Sand
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Esperidião - Conto de Horror de George Sand

Autores Selecionados ⋅ 8 abr. 2024
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"Um espírito sincero não teria tentado superar essa aflição. Mas eu não queria desmentir a mim mesmo. Estava indignado com minha fraqueza. Continuei a descer nas trevas, mas meu espírito esvaneceu e me tornei vítima das ilusões e dos fantasmas."

Inferno - Arte de Bogdan Ristea
Inferno - Arte de Bogdan Ristea

Havia três noites que eu não dormia. Na quarta, por volta de meia noite, peguei uma tesoura, uma lanterna, uma alavanca e penetrei sem ruído numa igreja, decidido a ver o esqueleto e a tocar as ossadas que havia seis anos minha imaginação revestia de uma forma celeste e que minha razão ia restituir ao eterno vazio contemplando as com calma.

Cheguei à pedra do Hic est, ergui a sem muito esforço e comecei a descer a escada; lembrava me de que havia doze degraus. Mas não havia descido cinco e minha cabeça já estava perturbada. Ignoro o que acontecia dentro de mim: se eu não tivesse passado por isso, nunca poderia acreditar que a coragem da vaidade pudesse superar tanta fraqueza e tanto terror covarde. Fui tomado pelo frio da febre, o medo fez tremer meus dentes; deixei cair a lanterna; senti que minhas pernas dobravam se sob meu corpo.

Um espírito sincero não teria tentado superar essa aflição. Ele teria desistido de perseguir uma provação acima de suas forças; teria adiado seu encontro para um momento mais favorável; teria esperado com paciência e simplicidade a serenidade de suas faculdades mentais. Mas eu não queria desmentir a mim mesmo. Estava indignado com minha fraqueza; queria romper e atrofiar minha imaginação. Continuei a descer nas trevas, mas meu espírito esvaneceu e me tornei vítima das ilusões e dos fantasmas.

Pareceu me que continuava a descer e que mergulhava nas profundezas do Érebo. Enfim, cheguei lentamente a um lugar plano e escutei uma voz lúgubre pronunciar estas palavras que parecia confiar às entranhas da terra:

"Ele não subirá a escada".

Nesse instante, ouvi erguer se em minha direção, do fundo de abismos invisíveis, mil vozes que cantavam num ritmo estranho:

"Vamos destruí-lo! Que ele seja destruído! O que ele vem fazer no meio dos mortos? Que seja levado de volta ao sofrimento! Reconduzido à vida!"

Então uma fraca claridade perfurou as trevas e percebi que estava no último degrau de uma escada tão vasta como a base de uma montanha. Atrás de mim havia milhares de degraus de ferro vermelho; à minha frente, apenas o vazio, o abismo do éter, o azul sombrio da noite sob meus pés e sobre minha cabeça. Fui tomado por uma vertigem e, saindo da escada, sem pensar que fosse possível subir por ela, lancei me no vazio, blasfemando. Mas mal pronunciara as sentenças de maldição, o vazio se encheu de formas e cores confusas; aos poucos, percebi que estava no mesmo plano de uma imensa galeria, e avancei tremendo. A escuridão ainda reinava ao meu redor; mas o fundo da abóbada iluminava se com um clarão vermelho, revelando formas estranhas e terríveis da arquitetura. Todo esse monumento parecia, por sua força e tamanho gigantesco, ter sido talhado numa montanha de ferro ou numa caverna de lavas negras. Não distinguia os objetos mais próximos de mim; mas à medida que avançava, adquiriam um aspecto cada vez mais sinistro, e meu terror aumentava a cada passo. Os enormes pilares que sustentavam a abóbada, e até mesmo os ornatos desta, representavam homens de um tamanho sobrenatural, todos entregues a torturas espantosas: uns, suspensos pelos pés e espremidos por serpentes monstruosas, mordiam o solo, e seus dentes penetravam no mármore; outros, afundados no chão até a cintura, eram puxados de cima, uns pelos braços com a cabeça no alto, outros, de cabeça para baixo, voltavam se para capitéis compostos por figuras humanas debruçadas sobre eles e obstinadas a torturá los. Outros pilares representavam um enlaçamento de fique se devoravam, e cada uma delas mostrava apenas um tronco roído até os joelhos ou ombros, mas cuja cabeça furiosa era viva o suficiente para morder e devorar o que estava por perto. Havia os que, esfolados pela metade, se esforçavam, com a parte superior do corpo, para desprender a pele da outra metade, presa ao capitel ou retida na base; e ainda outros, que, ao se debaterem, haviam arrancado lanhos de carne que os mantinham pendurados com uma expressão de ódio e sofrimento indizíveis. Ao longo do friso havia em cada lado uma fileira de seres imundos, revestidos de forma humana, mas de uma feiura espantosa, ocupados em decepar cadáveres, devorar membros de corpos humanos, torcer vísceras, refestelar se de despojos sanguinolentos. Da abóbada pendiam, no lugar de fechos e rosáceas, crianças mutiladas que pareciam soltar gritos lancinantes, ou que, fugindo atemorizadas dos devoradores de carne humana, se precipitavam com a cabeça para baixo e pareciam prestes a se estatelar no solo.

Quanto mais eu avançava, mais essas estátuas, aclaradas pela luz do fundo, adquiriam o aspecto da realidade; estavam forjadas com uma verdade que a arte dos homens nunca teria podido alcançar. Parecia uma cena de horror que um cataclismo desconhecido teria surpreendido no meio de sua realidade viva, e teria enegrecido e petrificado como a argila no forno. A expressão de desespero, de raiva e agonia era por demais impressionante em todos os rostos contraídos; o movimento ou a tensão dos músculos, a exasperação da luta, o frêmito da carne enfraquecida eram reproduzidos com tanta exatidão que era impossível suportar a cena sem desgosto e terror. O silêncio e a imortalidade dessa representação talvez acentuassem ainda mais seu efeito horrível em mim. Tornei me tão fraco que parei e quis voltar.

Foi então que escutei, nos fundos das trevas que havia atravessado, rumores confusos como os de uma multidão em movimento. Em pouco tempo as vozes tornaram se claras e os clamores mais ruidosos, e os passos apressaram se tumultuosamente, aproximando se com uma rapidez incrível: era um barulho de corrida irregular, estremecida, mas cujo estrépito se tornava mais próximo, mais impetuoso, mais ameaçador. Imaginei que estava sendo perseguido por essa multidão desregrada, tentei ultrapassá la, precipitando me debaixo da abóbada no meio das esculturas lúgubres. Mas me pareceu que aqueles personagens começavam a agitar se, a umedecer se de suor e sangue, e que seus olhos de esmalte giravam nas órbitas. De repente percebi que todos me olhavam e curvavam se sobre mim, uns com a expressão de um riso medonho, outros com uma aversão furiosa. Todos erguiam o braço sobre meu corpo e pareciam prontos a me esmagar sob os membros palpitantes que arrancavam uns dos outros. Alguns me ameaçavam com a própria cabeça nas mãos, ou com cadáveres de crianças que haviam arrancado da abóbada. Enquanto minha visão era turvada por essas imagens abomináveis, meus ouvidos se enchiam de barulhos sinistros que se aproximavam. Havia a minha frente objetos medonhos, e atrás de mim ruídos ainda mais terríveis: risos, gritos, ameaças, soluços, blasfêmias, e, de repente, momentos de silêncio, em que a multidão, levada pelo vento, parecia transpor distâncias enormes e ultrapassar me cem vezes mais.

Enfim o ruído aproximou se de tal forma que, sem esperança de escapar, tentei esconder me atrás dos pilares da galeria; mas as figuras de mármore subitamente se animaram; e, agitando os braços que se estendiam freneticamente para mim, queriam me agarrar para devorar me.

Fui então arremessado pelo medo até o meio da galeria, onde os braços não podiam alcançar me, e a multidão veio em meu encalço e o espaço encheu se de vozes, o solo inundado de passos. Foi como uma tempestade nos bosques, uma rajada de vento nas ondas, uma erupção vulcânica. Tive a impressão de que o ar estava abrasado e de que meus ombros se dobravam sob o peso da onda. Fui carregado como uma folha de outono no turbilhão de fantasmas.

Todos usavam vestes negras, e seus olhos ardentes brilhavam sob um capuz sombrio, como os de um tigre no fundo de seu antro. Havia os que pareciam mergulhados num desespero sem limite, os que se entregavam a uma alegria insensata ou feroz, e outros cujo silêncio selvagem me dava calafrios e me amedrontava ainda mais. À medida que avançavam, as figuras de bronze e de mármore agitavam se e se contorciam com tamanho esforço que acabavam por se livrar de sua terrível constrição, por se desprender do solo que lhes acorrentava os pés, por arrancar os braços e os ombros da cornija os mutilados da abóbada também se desprendiam, e, arrastando se como cobras ao longo das paredes, conseguiam chegar ao chão. E então todos esses antropófagos gigantescos, todos esses seres esfolados e mutilados juntavam se à multidão de espectros que me arrastavam, e, ao recobrarem a aparência de uma vida plena, começavam a correr e a gritar como os outros; assim, o espaço ao nosso redor se avolumava, e a multidão espalhava se nas trevas como um rio que rompeu seu dique; mas o clarão longínquo ainda a atraía e a guiava. Subitamente essa claridade pálida ficou mais viva, e vi que havíamos chegado ao fim. A multidão se dividiu, se espalhou nas galerias circulares, e eu percebi embaixo de mim, a uma distância imensurável, o interior de um monumento que a mão do homem nunca poderia ter construído. Era uma igreja gótica com o estilo das que os católicos construíam no século xi, numa época em que seu poder moral, tendo alcançado o apogeu, começava a construir cadafalsos e fogueiras. Os pilares afilados, as arcadas pontiagudas, os animais simbólicos, os ornatos estranhos, todos os caprichos de uma arquitetura pretensiosa e extravagante estavam ali, desdobrados num espaço e em dimensões tais que um milhão de homens poderiam ser abrigados sob a mesma abóbada. Mas essa abóbada era de chumbo, e as galerias superiores onde a multidão se espremia eram tão próximas que ninguém conseguia ficar de pé; com a cabeça encurvada e os ombros quebrados, eu era obrigado a olhar o que acontecia no fundo da igreja sob meus pés, a uma profundeza que me dava vertigem.

De início só pude distinguir os reflexos da arquitetura, cujas partes inferiores flutuavam num vácuo, enquanto as partes intermediárias iluminavam se de clarões vermelhos entrecortados por sombras negras, como se um foco de incêndio tivesse explodido em algum ponto imperceptível. Aos poucos a claridade sinistra espalhou se por todas as partes do edifício, e eu divisei um grande número de figuras ajoelhadas na nave, enquanto uma procissão de padres usando hábitos sacerdotais desfilava lentamente no meio e dirigia se ao coro cantando com uma voz monótona:

"Vamos destruí-lo! Vamos destruí-lo! Aquele que pertence à tumba, que seja reconduzido à tumba!"

Esse canto lúgubre reavivou meu terror; olhei ao redor de mim, mas vi que estava sozinho num dos vãos entre duas vigas: a multidão invadira todos os outros, e não parecia preocupada comigo. Então tentei escapar desse lugar pavoroso, em que um instinto secreto me anunciava a realização de algum terrível mistério. Vi várias portas atrás de mim, mas estavam vigiadas por horríveis rostos de bronze que caçoavam, falando entre si e dizendo:

"Vamos destruí-lo, os despojos de sua carne nos pertencerão." Paralisado por essas palavras, aproximei me da balaustrada curvando o corpo ao longo da rampa de pedra para não ser visto. Senti tamanho horror do que ia acontecer que fechei os olhos e tapei os ouvidos. Com a cabeça coberta com meu capuz e curvado até os joelhos, acabei por imaginar que tudo isso era um sonho e que eu adormecera num catre de minha cela. Fiz um esforço incrível para acordar e escapar ao pesadelo, e, com efeito, pensei ter acordado; mas, ao abrir os olhos, encontrei me no mesmo vão, rodeado à distância por espectros que me haviam conduzido até ali, e vi no fundo da nave a procissão de padres que chegara ao meio do coro, formando um grupo coeso em cujo centro acontecia uma cena de horror que nunca esquecerei. Havia um homem deitado num caixão, e esse homem estava vivo. Ele não se lamentava, não mostrava nenhuma resistência; mas soluços sufocantes escapavam de seu peito, e seus suspiros profundos, acolhidos por um silêncio morno, perdiam se sob a abóbada, que os devolvia à multidão insensível. Perto dele, vários padres munidos de martelos e pregos iam enterrá lo assim que lhe arrancassem o coração. Com os braços sanguinolentos e enterrados no peito entreaberto do mártir, cada um vinha remexer e torcer em vão as entranhas do homem; ninguém podia arrancar seu coração invencível, pois um feixe de diamante parecia protegê lo. De vez em quando, os carrascos deixavam escapar um grito de raiva, e imprecações misturadas com vaias respondiam do alto das galerias. Durante essas abominações, a multidão prosternada na igreja permanecia imóvel, numa atitude de meditação e recolhimento.

Então um dos carrascos se aproximou todo ensanguentado da balaustrada que separa o coro da nave, e disse a seus homens ajoelhados:

"Almas cristãs, fiéis fervorosos e puros, ó meus irmãos bem amados, orai! Redobrai súplicas e lágrimas, a fim de que o milagre se realize e vocês possam comer a carne e beber o sangue de Cristo, vosso divino Salvador."

E os fiéis passaram a rezar em voz baixa, a golpear o peito e a espalhar cinzas em suas faces, enquanto os carrascos continuavam a torturar sua presa, e a vítima murmurava, chorando essas palavras:

"Ó meu Deus, livra essas vítimas da ignorância e da impostura!"

Parecia que um eco da abóbada, como uma voz misteriosa, trazia esses lamentos aos meus ouvidos. Estava tão paralisado pelo medo, que, em vez de lhe responder e aumentar minha voz contra os carrascos, apenas me dedicava a espiar os movimentos dos que me cercavam, com a esperança de que não despejassem sua raiva contra mim, vendo que eu não era um deles.

Depois tentei despertar, e durante uns segundos minha imaginação me conduziu a cenas alegres. Numa bela manhã eu me via sentado na cela, rodeado pelos meus livros preferidos; mas um novo suspiro da vítima me arrancava dessa visão doce, e de novo me encontrava diante de uma interminável agonia e de carrascos incansáveis. Olhava o paciente, e parecia que ele se transformava a cada instante. Não era mais o Cristo, e sim Abelardo, e depois Jean Huss, em seguida Lutero... Eu me livrava desse espetáculo de horror e parecia rever a claridade do dia, fugindo com leveza e rapidez para o meio de uma agradável área campestre. Mas um riso feroz, vindo de perto de mim, me tirava com um sobressalto dessa doce ilusão, e eu percebia Esperidião no ataúde, lutando com os infames que esmagavam seu coração, sem conseguir apoderar se dele. Depois não era mais Esperidião, e sim o velho Fulgêncio, que me chamava e dizia:

"Aléxis, meu filho Aléxis! Então tu vais me deixar morrer?" Mal acabou de pronunciar meu nome, vi em seu lugar no caixão meu próprio rosto, o peito entreaberto, o coração rasgado por unhas e tenazes. No entanto, eu continuava escondido atrás da balaustrada, entregue à angústia da agonia e contemplando um outro que era eu mesmo. Então senti que ia desmaiar, meu sangue congelou nas veias, um suor frio jorrava de todos os membros, e suportei na própria carne todas as torturas infligidas ao meu espectro. Tentei reunir o pouco de força que me restava e, por minha vez, evocar Esperidião e Fulgêncio. Meus olhos se fecharam, e minha boca murmurou palavras de que meu espírito não tinha mais consciência. Quando reabri os olhos, vi perto de mim uma bela figura ajoelhada numa atitude calma. A serenidade repousava em seu rosto largo, e seus olhos não ousavam abaixar para meu suplício. Ele tinha o olhar dirigido para a abóbada de chumbo, e notei que acima de sua cabeça a luz do céu penetrava por uma ampla abertura. Um vento fresco agitava levemente os anéis dourados de seu belo cabelo. Havia em seus traços uma melancolia inefável misturada com desespero e piedade.

"Ó tu, cujo nome conheço", falei em voz baixa, "tu que pareces invisível a esses fantasmas medonhos, e que ousas dirigir te somente a mim, a mim que te conhece e te ama! salva me destes terrores, livra me deste suplício!..."

Ele se virou para mim, e me olhou com olhos claros e profundos que pareciam ao mesmo tempo lamentar e desprezar minha fraqueza. Depois, com um sorriso angelical, estendeu a mão, e toda a visão recolheu se nas trevas. Então, apenas escutei sua voz amiga, que me disse assim:

"Tudo que pensaste ver aqui, existe apenas na tua cabeça. Tua imaginação, sozinha, forjou o sonho horrível contra o qual tu te debateste. Que isto te ensine a humildade, e te lembre da fraqueza do teu espírito antes de tentares fazer o que ainda não és capaz de executar. Os demônios e fantasmas são criações do fanatismo e da superstição. Para que te serviu toda a tua filosofia, se ainda não sabes distinguir as puras revelações que o céu concede das visões grosseiras evocadas pelo medo? Nota que tudo o que acreditaste ver, aconteceu em ti mesmo, e que teus sentidos abusados não te fizeram outra coisa senão dar uma forma às ideias que há muito tempo te preocupam. Viste neste edifício formado de figuras de bronze e de mármore, ora devoradoras ora devoradas, um símbolo das almas que o catolicismo embruteceu e mutilou, uma imagem dos combates que as gerações consagraram à Igreja profanada, devorando se entre si, restituindo umas às outras o mal que haviam suportado. Essa onda de fantasmas furiosos que te arrastou é a incredulidade, a desordem, o ateísmo, a preguiça, o ódio, a cupidez, a inveja, todas as paixões maléficas que invadiram a Igreja quando a Igreja perdeu a fé; e esses mártires cujas entranhas os príncipes da Igreja disputavam eram os Cristos, os mártires da nova verdade, os santos do futuro, atormentados e dilacerados até o fundo do coração pelos impostores, invejosos e traidores. Tu mesmo, movido por um instinto de nobre ambição, tu te viste deitado nesse cenotáfio ensanguentado, aos olhos de um clero infame e de um povo imbecil. Mas foste duplicado aos teus próprios olhos; e enquanto a metade mais bela do teu ser suportava a tortura com perseverança e recusava entregar se aos fariseus, a outra metade, egoísta e covarde, se escondia na sombra, e, para escapar a seus inimigos, deixava a voz do velho Fulgêncio expirar sem eco. Foi assim, ó Aléxis, que o amor à verdade soube preservar tua alma das paixões vis do povo; mas foi assim, ó monge, que o amor ao bem estar e o desejo de liberdade te tornaram cúmplice do triunfo dos hipócritas, com quem estás condenado a viver. Vamos, acorda, e procura na virtude a verdade que pudeste encontrar na ciência."

Mal acabou de falar, despertei; eu estava na igreja do convento, estirado sobre a pedra do Hic est, ao lado da cova entreaberta. Amanhecera, os pássaros cantavam alegremente ao redor dos vitrais, o sol nascente projetava um clarão de ouro e púrpura no fundo do coro. Vi nitidamente a pessoa que se dirigira a mim ingressar nesse clarão e apagar se como se fosse confundida com a luz celeste. Sentia me abatido por um sono de morte, e meus membros estavam entorpecidos pelo frio da tumba. O sino batia as matinas; apressei me em recolocar a pedra sobre a cova, e pude sair da igreja antes que alguns devotos fervorosos, que não dispensavam os ofícios da manhã, entrassem no templo.


Tradução de Milton Hatoum

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