Casa Assombrada - Conto de Virginia Woolf | Fantástica Cultural

Artigo Casa Assombrada - Conto de Virginia Woolf
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Casa Assombrada - Conto de Virginia Woolf

Autores Selecionados ⋅ 16 maio 2024
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"Eles estão procurando; estão abrindo a cortina. Por que foi que entrei aqui? O que era que eu queria encontrar?"

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A qualquer hora que você acordasse havia alguma porta batendo. De quarto em quarto eles iam, e de mãos dadas, erguendo aqui, abrindo ali, certificando-se — um casal de fantasmas.

"Deixamos aqui", ela disse. E ele acrescentou: "Oh, mas aqui também!" "No andar de cima", murmurou ela. "E no jardim", sussurrou ele. "Silêncio", disseram ambos, "porque senão vamos acordá-los".

Mas não era que nos acordassem. Oh, não. "Eles estão procurando; estão abrindo a cortina", bem que eu poderia dizer, e assim ler ainda uma ou duas páginas. "Agora acharam", saberia então com certeza, parando o lápis na margem. E aí, cansada de ler, poderia me levantar para ir ver com meus olhos a casa toda vazia, as portas todas abertas, só as pombas da mata borbulhando de contentamento e a zoada da máquina de debulhar que vem da fazenda. "Por que foi que entrei aqui? O que era que eu queria encontrar?" Minhas mãos estão vazias. "Talvez lá em cima?" As maçãs estavam no sótão. E assim de novo para baixo, o jardim tranquilo como sempre, só o livro que escorregou para a grama.

Na sala de visitas o encontraram porém. Sem que alguém pudesse vê-los jamais. As vidraças refletiam maçãs, refletiam rosas; todas as folhas eram verdes no vidro. A maçã se limitava a virar seu lado amarelo, se as folhas se mexessem na sala. Entretanto, no momento seguinte, se a porta fosse aberta, estendia-se no chão, descia pelas paredes, pendia do teto — o quê? Minhas mãos estavam vazias. A sombra de um tordo atravessou o tapete; dos poços de silêncio mais fundos a pomba da mata extraiu sua bolha de som. "Em segurança, em segurança", suavemente bate o pulso da casa. "O tesouro enterrado; o quarto..." para o pulso de repente. Oh, então era o tesouro enterrado?

Um momento depois a luz se apaga. Talvez lá fora no jardim? Mas as árvores protelam a escuridão por causa de um peregrino raio de sol. Tão fino, tão raro, cravado tão friamente sob a superfície, o raio que eu sempre procurei queimava além da vidraça. A morte era o vidro; a morte estava entre nós dois; primeiro indo à mulher, há centenas de anos, deixando a casa, lacrando todas as janelas; os quartos se escureciam. Ele as deixava, mulher e casa, ia para o Norte, ou para o Leste, viu o giro das estrelas no céu do Sul; procurou pela casa, achou-a afundada na região dos Downs. "Em segurança, em segurança", batia alegremente o pulso da casa. "O tesouro é seu."

O vento ruge na alameda. As árvores encurvam, dobram-se de variadas maneiras. O luar se esparrama e respinga forte na chuva. Mas direto da janela vem o facho de luz. A vela queima tesa e quieta. Pervagando pela casa, abrindo as janelas, cochichando para não nos despertar, o casal de fantasmas procura sua alegria.

"Aqui nós dormimos", diz ela. E ele acrescenta: "Beijos sem conta". "Acordando de manhã..."

"Com o prateado entre as árvores..."

"Lá em cima..."

"Lá no jardim..."

"Quando o verão chegou..."

"Na época de neve do inverno..." E bem ao longe as portas vão se fechando, batendo lentamente como um coração a pulsar.

Eles chegam mais perto; param na entrada. O vento sopra, a chuva escorre prateada no vidro. Nossos olhos se toldam; não ouvimos passos ao lado; não vemos mulher alguma abrindo sua fantasmal vestimenta. Já ele protege o lampião com as mãos. "Olhe só", sussurra. "Dormem a fundo. Com amor nos lábios."

Dobrando-se, mantendo acima de nós seu lampião de prata, longa e profundamente eles olham. Longa é a pausa que fazem. O vento impele certeiro; a flama enverga fragilmente. Fachos fortes de luar cruzam pelo chão e a parede e, ao se encontrarem, mancham as faces que se dobram; as faces que ponderam; as faces que revistam os dormentes e buscam sua oculta alegria.

"Em segurança, em segurança", bate orgulhoso o coração da casa. "Muitos anos...", suspira ele. "De novo você me achou". "Aqui", murmura ela, "dormindo; no jardim, lendo; rindo, rolando maçãs no sótão. Foi aqui que nós deixamos nosso tesouro..." Dobrando-se, sua luz ergue em meus olhos as pálpebras. "Em segurança! em segurança! em segurança!", bate descontrolado o pulso da casa. E eu, despertando, grito: "Oh, é isto o seu — tesouro enterrado? A luz no coração".

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