Uma Escola de Mulheres vista de Fora - Conto de Virginia Woolf | Fantástica Cultural

Artigo Uma Escola de Mulheres vista de Fora - Conto de Virginia Woolf
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Uma Escola de Mulheres vista de Fora - Conto de Virginia Woolf

Autores Selecionados ⋅ 16 maio 2024
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Angela suspirou, plantada de camisola à janela. Havia dor em sua voz, com a cabeça curvada para fora.

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A lua, com seu branco plumoso, nunca deixava o céu ficar escuro; a noite inteira eram brancas contra o verde as flores do castanheiro, como indistinta pelos prados era a salsa-do-campo. Nem à Tartária nem à Arábia ia o vento dos pátios de Cambridge, mas mergulhava sonhador em meio a nuvens cinza-azuladas sobre os telhados de Newnham. Lá no jardim, se precisasse de espaço para andar, ela o encontraria entre as árvores; e, como apenas faces de mulheres poderiam encontrar sua face, tirando o véu ela seria capaz de a revelar apática, inexpressiva, e fixar o olhar nos quartos onde, àquela hora, apáticas, inexpressivas, pálpebras brancas sobre os olhos, mãos sem anéis sobre lençóis, dormiam numerosas mulheres. Mas aqui e ali ainda havia uma luz acesa.

No quarto de Angela, poder-se-ia imaginar uma luz dupla, tendo em vista quão luminosos eram não só a própria Angela, mas também seu reflexo que o espelho quadrado devolvia. Toda ela perfeitamente delineada — até a alma talvez. Pois o espelho apresentava uma imagem que era incapaz de tremer — branca e dourada, chinelos vermelhos, cabelo claro com pedrinhas azuis, e nunca uma ruga ou sombra para interromper o prolongado beijo de Angela e seu reflexo no espelho, como se ela estivesse radiosa de ser Angela. Radioso, fosse como fosse, era o momento — o quadro reluzente pendurado no coração da noite, o santuário escavado nas trevas. É estranho de fato ter essa prova visível da retidão das coisas; esse lírio a flutuar impecável, e sem medo, sobre as águas do Tempo, como se isto bastasse — este reflexo. Meditação que ela traiu ao virar-se, e o espelho já não exibia mais nada, ou somente a armação da cama, e ela, correndo de lá para cá, pisando de leve e disparando, tornou-se igual a uma mulher numa casa e mudou de novo: franziu os lábios por cima de um livro preto e com seu dedo marcou o que não seria decerto uma apreensão muito firme da ciência econômica. Somente Angela Williams estava em Newnham com o objetivo de ganhar a vida, não podendo se esquecer, nem mesmo em momentos de adoração apaixonada, dos cheques de seu pai em Swansea; de sua mãe lavando roupa no tanque: vestidos cor-de-rosa para estender no varal; sinais de que nem o lírio ainda flutua impecável sobre as águas, tendo sim, como qualquer um, um nome escrito num cartão.

A. Williams — pode-se ler à luz da lua; e a seguir alguma Eleanor ou Mary, Mildred, Sarah, Phoebe em cartões quadrados nas suas portas. Nada a não ser nomes, apenas nomes. A luz branca e fria os embranquecia e engomava até restar a impressão de que o único objetivo desses nomes todos era se pôr marcialmente em ordem caso houvesse um chamamento a que fossem apagar um incêndio, abafar uma insurreição ou submeter-se a um exame. Tal é o poder dos nomes escritos em cartões afixados nas portas. Tal também a semelhança, vejam-se as telhas, corredores, portas de quartos de dormir, com um convento ou um estábulo, um lugar de reclusão ou disciplina, onde a vasilha de leite se mantém fresca e pura e há muita lavação de roupa.

Neste exato momento partiu de trás de uma porta uma risadaria abafada. Um relógio de voz alambicada batia as horas — uma, duas. Mas, se o relógio estivesse dando ordens, essas eram desobedecidas. Incêndio, insurreição, exame, tudo se cobria de neve com as risadas, ou com jeito era extinto, dando o som a impressão de borbulhar das profundas para meigamente afastar, de um sopro, hora, regras, disciplina. A cama estava cheia de cartas de baralho espalhadas. Sally, no chão. Helena, na cadeira. Bertha, perto da lareira, esquentava as mãos juntas. A. Williams entrou bocejando.

"Porque é profunda e intoleravelmente irritante", disse Helena. "Irritante", ecoou Bertha. E depois bocejou.

"Não somos eunucos."

"Eu vi quando ela ia escapulindo pelo portão dos fundos, com aquele chapéu velho. Eles não querem que a gente saiba."

"Eles?", disse Angela. "Ela." Daí as risadas.

As cartas foram dadas, com suas faces vermelhas e amarelas a cair sobre a mesa, e às cartas se atiraram as mãos. Bertha, encostando a cabeça na cadeira, suspirou fundo. Bem que ela teria preferido dormir, mas, já que a noite é um pasto livre, um campo ilimitado, já que a noite é riqueza por moldar, convém abrir na sua escuridão um túnel. Convém cobri-la de joias. A noite era partilhada em segredo, de dia o rebanho todo pastava. A cortina estava aberta. Neblinava no jardim. Sentando-se no chão à janela (enquanto as outras jogavam), corpo, mente, os dois juntos pareciam levados pelo ar para arrastar-se através do arvoredo. Ah, mas ela queria era esticar-se na cama e dormir! Ninguém sentia como ela, acreditava, um tal desejo de sono; acreditava, humilde — e sonolentamente —, cabeceando e já quase arriando às vezes, que as outras estavam plenamente acordadas. Quando riram todas juntas, um passarinho que dormia pipilou no jardim, como se a risadaria...

Sim, como se a risadaria (pois ela agora cochilava) flutuasse também como a neblina e se amarrasse com tiras de suave elasticidade nos arbustos e nas plantas, tornando vaporoso e anuviado o jardim. A seguir, levados pelo vento, curvar-se-iam os arbustos, sendo o vapor branco soprado pelo mundo afora.

De todos os quartos onde as mulheres dormiam esse vapor emanava, aderindo como neblina às plantas para depois soltar-se livremente no ar. Dormiam mulheres velhas que de imediato empunhariam o bastão de marfim da ordem, se acordassem. Agora, no entanto, tão sem cor e serenas, em repouso profundo, elas jaziam rodeadas, jaziam sustentadas pelos corpos das jovens que ali se recostavam ou iam se agrupar à janela; derramando no jardim suas borbulhantes risadas, sua risadaria irresponsável: um riso de corpo e alma, que punha regras, horas, disciplina a voar para longe: imensamente fertilizador, contudo informe, caótico, arrastando-se erradio e recobrindo de tufos e nesgas de vapor as roseiras.

"Ah", suspirou Angela, plantada de camisola à janela. Havia dor em sua voz, com a cabeça curvada para fora. A neblina se fendeu como se sua voz a partisse. Enquanto as outras jogavam, ela estivera conversando com Alice Avery sobre o castelo de Bamborough; a cor da areia ao crepúsculo; ao que Alice dissera que ia escrever e anotar o dia, em agosto, e inclinando-se lhe deu um beijo, ou pelo menos tocou sua cabeça com a mão, e Angela, positivamente incapaz de sentar-se quieta, como se um mar encapelado batesse em seu coração, vagou de um lado para outro no quarto (a testemunha de tal cena), mantendo os braços bem abertos para aliviar a emoção, esse espanto ante o incrível abaixamento da árvore milagrosa coroada por um fruto de ouro — que não veio cair em suas mãos? Ela o abrigava junto ao seio, brilhando, coisa para não ser tocada, nem pensada ou comentada, mas para ficar lá em seu brilho. E então, lentamente pondo aqui suas meias, ali seus chinelos, dobrando por cima, com cuidado, a anágua, Angela, cujo sobrenome era Williams, deu-se conta de que — como poderia expressá-lo? — de que após a negra turbulência de uma infinidade de épocas aqui estava a luz no fim do túnel; a vida; o mundo. Embaixo dela — tudo ótimo; tudo adorável. Tal foi sua descoberta.

Como então sentir surpresa, com efeito, se, deitada na cama, ela não conseguia fechar os olhos de vez? — algo voltava irresistivelmente a abri-los — se na escuridão pouco profunda o gaveteiro e a cadeira pareciam tão majestosos, e tão precioso o espelho, quando cinéreo anunciava o dia? Chupando o polegar feito criança (com dezenove anos feitos em novembro passado), lá ficou ela pois nesse mundo bom, nesse mundo novo, nesse mundo no fim do túnel, até que um desejo de o ver ou de a ele antecipar-se a impeliu a jogar de lado as cobertas para se guiar à janela e lá, ao olhar para o jardim, onde se espalhava a neblina, todas as janelas abertas, com um azul afogueado, com algo murmurando ao longe, o mundo, é claro, e a manhã chegando, "Oh", gritou ela, como se sentisse uma dor.

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