Ao ver que Mrs. Dalloway a espiava com ar reprovador lá do outro lado da sala, Lily Everit quase chegou a rezar para que ela não viesse incomodá-la; no entanto, quando Mrs. Dalloway se aproximou com a mão direita levantada e um sorriso que Lily sabia (embora fosse sua primeira festa) que queria dizer: "Mas você tem de sair aí do seu canto para conversar", um sorriso ao mesmo tempo benevolente e enérgico, imperioso, ela sentiu a mais estranha mistura de excitação e medo, do desejo de ser deixada sozinha com o anseio de que a tirassem dali para ser lançada ao fundo dos escaldantes abismos. Mrs. Dalloway porém foi interceptada; abordada por um idoso senhor de bigode branco e dando assim um prazo de dois minutos para Lily Everit se apertar bem nos braços, como um mastro no mar, e saborear, como um copo de vinho, a lembrança do seu trabalho sobre o caráter do deão Swift, ao que o professor Miller tinha dado, na manhã desse dia, três estrelas vermelhas; primeiro lugar. Primeiro lugar; repetia-se isso, mas a bebida agora estava muito mais fraca do que diante do grande copo esvaziado aos poucos (um gole aqui, outro ali), quando ela estivera com sua irmã e Mildred, a empregada. Ao moverem-se à sua volta as mãos das duas, sentiu que se punham em deleitável animação na superfície, mas que por baixo jazia intacto, como um bloco de metal reluzente, seu ensaio sobre o caráter do deão Swift, e todos os elogios feitos, quando ela desceu pela escada e ficou na entrada à espera de um carro de aluguel — Rupert tinha saído de seu quarto e dito que ela estava ótima —, agitaram-se na superfície, passaram como brisa entre fitas, mas não mais que isso. Dividia-se a vida (ela tinha certeza) em fato, aquele trabalho, e ficção, a saída de agora, em pedra e em onda, pensou ela já rolando a caminho e vendo as coisas com tal intensidade que haveria para sempre de ver a verdade e a si, branco reflexo inextricavelmente mesclado ao negrume das costas do chofer: o momento de visão. Depois, quando ela entrou na casa, assim que viu tanta gente, uns a subir, outros descendo escadas, aquele duro fragmento (seu trabalho sobre o caráter de Swift) começou a perder a consistência, a derreter, não havia mais como segurá-lo e toda a sua pessoa (não mais cortante como um diamante partindo o coração da vida em pedaços) transformou-se numa névoa de alarme, apreensão e defensiva, quando acuada ela ficou em seu canto. Este então era o mundo, o famoso lugar: a sociedade.
Olhando em volta, Lily Everit instintivamente escondeu seu ensaio, de tão envergonhada que estava agora, e também tão confusa, e na ponta dos pés não obstante para ajustar seu foco e manter nas devidas proporções (pois que as anteriores eram vergonhosamente indevidas) aquelas coisas em constante diminuição e expansão (como chamá-las? — de pessoas — de impressões das vidas das pessoas?) que pareciam ameaçá-la e sobrepor-se a ela, transformando tudo em água, deixando-lhe apenas — pois disso ela não abdicaria — o poder de estar acuada.
Agora Mrs. Dalloway, que nunca tinha arriado o braço de vez, dando a entender pelo modo como o movia que não se esquecera dela, fora apenas interrompida pelo velho soldado de bigode branco, esticou-o decididamente para partir em sua direção e dizer à moça tão encantadora e tímida, de pele clara, brilho nos olhos, cabelo preto poeticamente encaracolado na cabeça e o corpo magro num vestido que parecia estar deslizando:
"Venha que eu vou lhe apresentar", e nisso Mrs. Dalloway hesitou, e lembrou-se então de que Lily era a inteligente, a que lia poesia, e olhou em volta procurando algum jovem, um rapaz que tivesse acabado de sair de Oxford, que tivesse lido tudo e pudesse conversar sobre Shelley. E, pegando-a pela mão, levou Lily Everit para um grupo onde havia rapazes conversando, entre os quais Bob Brinsley.
Lily Everit se retraiu um pouco, poderia ter sido o barco a vela, instável e reverente, na esteira de um vapor, e sentiu, enquanto era conduzida por Mrs. Dalloway, que agora isso ia acontecer; que nada o poderia impedir agora; nem livrá-la (e só pedia que acabasse logo) de ser lançada num redemoinho onde ela iria perecer ou salvar-se. Mas o que era esse redemoinho?
Oh, era feito de um milhão de coisas, todas diferentes dela; a abadia de Westminster; a sensação de que eram enormemente altos e solenes os prédios em derredor; e a de ser mulher. Era essa talvez a que se tornava evidente, a que permanecia, e era em parte o vestido, mas todos os pequenos gestos de cavalheirismo e respeito da sala de visitas — tudo a fazia crer que ela saía então da crisálida para ser proclamada o que na confortável escuridão de sua infância nunca tinha sido — essa frágil e bela criatura diante da qual os homens se curvavam, essa criatura limitada e circunscrita que não podia fazer o que bem quisesse, essa borboleta com milhares de facetas nos olhos e uma delicada e fina plumagem, com dificuldades e suscetibilidades e tristezas inúmeras; uma mulher.
Ao andar com Mrs. Dalloway, atravessando a sala, ela aceitou o papel que lhe era imposto agora e, naturalmente, excedeu-se um pouco nele, como um soldado, orgulhoso das tradições de um uniforme antigo e famoso, é capaz de exceder-se, sentindo-se consciente, enquanto andava, de seus adereços; de seus sapatos apertados; de seu cabelo cacheado e enrolado; e de que, se deixasse cair um lenço (o que já tinha acontecido), um homem se abaixaria às pressas para o apanhar para ela; acentuando assim a fragilidade, a artificialidade de seu porte antinatural, já que afinal não eram dela essas coisas.
Dela, isto sim, era a inclinação a correr, a meditar em longos passeios solitários, pulando portões, pisando na lama, para através da névoa, do sonho, do êxtase da solidão ver os volteios da tarambola, espantar os coelhos, entrar no coração das matas ou de vastos e ermos matagais com pequenas cerimônias a que ninguém assistia, ritos privados, pura beleza oferecida por besouros, por lírios-do-vale, por folhas secas, por águas paradas, que não ligavam a mínima para o que os seres humanos pensavam a seu respeito e lhe enchiam o espírito de entusiasmo e espanto e a mantinham por lá, até que ela viesse a tocar, para se refazer, no pilar do portão — tudo isso, até essa noite, era o comum em sua vida, por isso ela se conhecia, por isso gostava de si mesma e conquistava a afeição dos seus, de pai e mãe, de irmãos e irmãs; já esta outra era uma flor que tinha desabrochado há dez minutos. Ao abrir-se a flor também se abria, irreversivelmente, o mundo da flor, tão diferente, tão estranho; as torres de Westminster; os prédios altos e formais; conversas; esta civilização, sentia ela, um pouco para trás, mas puxada por Mrs. Dalloway, este modo ordeiro de vida, que lhe caía dos céus como uma canga no pescoço, lenta e inflexivelmente, numa evidência sem contestação. Ao contemplar seu ensaio, obscureceram-se, mas pacífica e pensativamente, as três estrelas vermelhas, como que cedendo à pressão do inquestionável poder, ou melhor, à convicção de não ser dela, de não lhe tocar, nem dominar nem se fazer valer; cabia-lhe, isto sim, ventilar e embelezar a vida ordeira, onde tudo já estava feito; torres altas, sinos solenes, apartamentos construídos de tijolo em tijolo pelo trabalho dos homens, igrejas construídas pelo trabalho dos homens, parlamentos também; e até mesmo o entrelaçado dos fios do telégrafo, pensou ela, olhando pela janela enquanto andava. O que tinha para opor a essas grandes realizações masculinas? Um ensaio sobre o caráter do deão Swift! Quando afinal chegou ao grupo, que era dominado por Bob Brinsley (de calcanhar no guarda-fogo da lareira, cabeça jogada para trás), com sua testa grande e honesta, sua autoconfiança e finura, sua honra e pujante bem-estar físico, seu bronzeado, seu desembaraço, sua direta descendência de Shakespeare, o que podia ela fazer senão pegar seu ensaio e oh! toda sua própria pessoa e estendê-los no chão como um casaco para ele pisar em cima, como uma rosa na qual ele atirar? O que ela fez, de modo enfático, quando Mrs. Dalloway, ainda a segurá-la pela mão, como para a impedir de fugir desta suprema prova, apresentou um ao outro: "Mr. Brinsley — Miss Everit. Dois que têm amor por Shelley". Mas o dela, comparado ao dele, nem era amor.
Ao dizer isso, Mrs. Dalloway se sentiu, como sempre se sentia ao se lembrar da sua mocidade, absurdamente comovida; o brilho de um encontro entre jovens, por suas mãos, a atiçar como o da concussão de aço em sílex (ambos perceptivelmente endurecidos pelo seu sentimento) o mais belo e o mais antigo dos fogos, tal como o viu na mudança de expressão de Bob Brinsley, da indiferença à aquiescência, ao formalismo para o aperto de mãos, que pressagiava, pensou Clarissa, a ternura, a bondade, a solicitude de mulher latentes em todos os homens, visão que era para ela de trazer lágrimas aos olhos, assim como se comovia ainda mais intimamente ao ver em Lily o próprio olhar da timidez, o olhar assustado, decerto o mais bonito de todos no rosto de uma garota; e um homem sentindo isso por uma mulher, e uma mulher, por um homem, para derivar de tal contato toda essa profusão de casas, provações, sofrimentos, profunda alegria e vedação definitiva em face da catástrofe, doce era o coração da humanidade, pensou Clarissa, e sua própria vida (apresentar um casal a fazia lembrar de seu primeiro encontro com Richard!), infinitamente abençoada. E assim ela foi em frente.
Mas, pensou Lily Everit. Mas — mas — mas o quê?
Oh, nada, pensou às pressas, abafando suavemente seu instinto aguçado.
Sim, ela disse. Ela gostava de ler.
"Então também deve escrever?", disse ele, "Talvez poemas?"
"Ensaios", ela disse. E não deixaria aquele horror se apossar de sua pessoa. Igrejas e parlamentos, apartamentos e até os fios do telégrafo — tudo, disse a si mesma, feito pelo trabalho dos homens, e este rapaz, disse a si mesma, descendia de Shakespeare em linha direta, e ela assim não deixaria esse terror, essa suspeita de alguma coisa diferente, apropriar-se dela e contrair-lhe as asas e a impelir para longe, na solidão. Mas, quando disse isso, ela o viu — de que outro modo poderia descrevê-lo? — matar uma mosca. Ele arrancou as asas de uma mosca, pé apoiado no guarda-fogo, cabeça jogada para trás, enquanto falava insolentemente, arrogantemente de si; porém ela nem ligava para o grau de arrogância ou insolência que ele lhe demonstrava, lamentando apenas ser cruel com as moscas.
Mas, disse ela, inquietando-se ao abafar essa ideia, por que não, já que ele é o maior dos objetos mundanos? E adorar, adornar, embelezar era tarefa sua, como também ser adorada, para o quê tinha asas. Mas ele falava; mas ele olhava; mas ele ria; ele arrancou as asas de uma mosca. Puxou-as das costas com suas mãos ágeis e fortes, e ela o viu fazendo isso; e não podia ocultar a si mesma essa lembrança. Mas é necessário que seja assim, argumentou, pensando nas igrejas, nos parlamentos, nos blocos de apartamentos, e assim tentou dobrar suas asas nas costas, depois de as ter completamente abaixadas. Mas — mas, o que era isso, por que era assim? Apesar de tudo ela podia tornar seu ensaio sobre o caráter de Swift cada vez mais importuno e fazer as três estrelas luzirem novamente, só que não mais tão claras, tão brilhantes, e sim perturbadas e manchadas de sangue como se este homem, este ilustre Mr. Brinsley, apenas por arrancar as asas de uma mosca enquanto falava (de seu próprio ensaio, de si mesmo e, uma vez, rindo, de uma garota que lá se achava), sobrecarregasse de nuvens sua leve existência e a deixasse confusa para o resto da vida e contraísse suas asas nas costas, fazendo-a pensar com horror, quando ele se afastou dela, na civilização e nas torres, e a canga que havia caído dos céus em seu pescoço esmagou-a, e ela se sentiu na infeliz situação de uma pessoa nua que, indo à procura de refúgio nalgum jardim sombreado, de lá é expulsa e lhe é dito — não, não há santuários, nem borboletas, neste mundo, e esta civilização, igrejas, parlamentos e apartamentos — esta civilização, disse Lily Everit a si mesma, ao agradecer os gentis elogios da velha Mrs. Bromley à sua aparência, depende de mim, e Mrs. Bromley disse depois que Lily, como todos os Everit, parecia "ter o peso do mundo em suas costas".