A mãe não quis que o menino fosse à escola e, durante o dia, não o deixou sair ao pátio. Nem era preciso proibir, ele estava abatido, quieto. Passou a manhã e parte da tarde ora a ver televisão, ora a brincar sem vontade com sua coleção de estampas do Chocolate Surpresa. Condoída, quis animá-lo. Sentou-se ao seu lado no chão e escolheu uma estampa.
— Como é o nome desse cachorrinho? Ele olhou, mas não respondeu.
À tardinha, deu-lhe outra colher de xarope. Minutos depois, quando voltou ao quarto, encontrou-o dormindo no tapete e o levou para a cama. Antes de cobri-lo, mediu a temperatura. Não tinha subido, era um bom sinal e amanhã, com certeza, voltaria ao normal.
Deu um beijo nele e o deixou.
O menino dormiu até as primeiras horas da noite. Ao acordar, descoberto e com frio, viu o quarto às escuras e não o reconheceu. Chegou a chamar a mãe, mas logo começou a discernir objetos familiares — as estrelinhas do teto, a silhueta do urso sobre o roupeiro, o quadro da Virgem — e, sossegado, adormeceu novamente.
Não viu, portanto, quando a mãe entrou no quarto e pôs a mão em sua testa, nem ouviu quando ela disse ao marido, que esperava à porta:
— Está sem febre.
Tampouco ouviu quando ele convidou:
— Vamos comemorar?
Tornou a acordar, mais tarde — passava da meia-noite. Não sentia frio e, ao contrário, estava suando. Pensou que era de manhã e estranhou a escuridão do quarto, a casa silenciosa, tanto quanto a rua. Esperou que a mãe viesse ajudá-lo a vestir-se, mas ela não apareceu. E ele estava ansioso por brincar. Pulou a guarda da cama e procurou, no tapete, as estampas do chocolate.
Brincou como brincaria um menino cego, tentando descobrir a estampa do Chow Chow. Era o cachorrinho de que mais gostava, com seu focinho chato e sua língua roxa. Tinha aprendido ali que o Chow Chow e outro cão chinês, o Shar Pei, eram os únicos no mundo com a língua daquela cor.
Logo se cansou desse jogo de sombras.
Calçou os chinelinhos e, tateando, alcançou a porta. Abriu-a e tomou o pequeno corredor que levava ao quarto dos pais. No corredor não havia luz, no quarto, pelas venezianas, esgueiravam-se fachos da iluminação da rua. Olhou para a cama e viu aquela massa informe, uma montanha — foi o que pensou — a se sacudir sob as cobertas. E em seguida a voz do pai, não mais do que um murmúrio, e compreendeu que ele estava em cima de sua mãe, esmagando-a com seu peso. Ouviu-a gemer e pensou, horrorizado, que ela estava sofrendo. Mas o cobertor desceu dos ombros de seu pai e ele pôde ver que aqueles ombros estavam nus, e nus também estavam os ombros da mãe. E que eles se abraçavam e se beijavam na boca, algo que, por algum motivo, lembrou-lhe a língua do Chow Chow.
Abraços, beijos, gemidos e suspiros, depois o riso abafado da mãe, não, ninguém estava sofrendo, aquilo era um brinquedo que eles tinham inventado.
E retornou, sem fazer ruído, ao seu quarto escuro.
Arrumou os chinelinhos debaixo da cama e subiu pela guarda. Olhava para o teto, para as estrelinhas que o pai tinha colado, imitando o céu, e via entre elas um cometa que parecia uma língua e sentia uma dor forte no peito, uma dor dolorosa, uma dor cheia de dor: eles querem brincar sozinhos, eles não gostam mais de mim.