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Artigo Majestic Hotel - Conto de Sergio Faraco
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Majestic Hotel - Conto de Sergio Faraco

Autores Selecionados ⋅ 10 set. 2024
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"Queria avisá-la, cuidado, ele quer te roubar de mim e de papai, mas não se animava, receoso de que sorrisse novamente aquele sorriso perigoso."

Para Paulo Hecker Filho


Entre cadernos velhos e brinquedos, na cômoda, encontrou um soldadinho de chumbo que dava por perdido. Pegou-o rapidamente, com receio de ter-se enganado, mas era ele, sim, aquele que trouxera de Porto Alegre, e que lindo soldadinho, com capacete de espigão, boldrié, mochila e espingardinha.

Fazia tanto tempo aquilo...

Não, nem tanto tempo assim, quatro ou cinco anos, talvez, ainda se lembrava do trem sacudindo e apitando, da buliçosa gare da estação, do carro de praça e, com mais nitidez, das sacadas que uniam os dois blocos do Majestic Hotel, onde o velho despenteado lhe dera um puxão no braço.

Nunca lhe disseram e tampouco perguntou por que tinham feito aquela viagem. Decerto era para consultar um médico, que outro motivo levaria à capital uma jovem mulher e seu filhinho? Também nunca soube por que, no hotel, ela não o levara uma só vez ao restaurante. Ficava no quarto, de repente ela aparecia com um pratinho encoberto por um guardanapo. Achava que estava doente, por isso não ia ao restaurante. Mas num daqueles dias ela o levou a uma rua comprida, cheia de gente, e ele supôs, contente, que talvez já estivesse curado.

Que rua grande, que rua enorme e era preciso caminhar, caminhar... teriam ido ao médico? Não se lembrava. Mas lembrava-se muito bem da volta ao hotel, os dois de mãos dadas e ele orgulhoso de estar ao lado dela, tão bonita e cheirosa que ela era.

Passaram depois numa praça com um laguinho e um cavalo de pedra e também ali havia pessoas demais, só que sentadas e pareciam de pedra como o cavalo do laguinho. E outras em pé, paradas, e outras movendo-se lentamente pelos caminhos da praça, e outras dormindo sobre jornais nos canteiros, e no meio desse exército de caras pôde notar que um homem os seguia e os olhava.

Não que os olhasse. Olhava para ela.

Assustado, segurou a mão dela com força. Continuaram andando, e depois da praça olhou para trás e lá estava o mesmo homem, destacando-se dos outros, como um general à frente daquele exército. Queria apressar-se, puxando-a, mas a mão dela resistia e seus próprios pés, como nos pesadelos, grudavam no chão.

Quando, por fim, chegaram no hotel e pediram a chave, ficou espiando a porta e viu, com a respiração suspensa, que o homem entrava também e ainda olhava para ela. Teve a impressão, não a certeza, de que ela sorria levemente. Queria avisá-la, cuidado, ele quer te roubar de mim e de papai, mas não se animava, receoso de que sorrisse novamente aquele sorriso perigoso.

Subiram.

No quarto, vigiava-a. Ela se ausentou por uns minutos, retornou de banho tomado e começou a vestir-se para sair outra vez. Vou buscar tua comidinha, amor. Penteou-se, perfumou-se e calçou o sapatinho alto, de tiras pretas, que mostrava seus dedinhos delicados — tão delicados que, só de vê-los, aumentava sua inquietação. Não sabia que horas eram, achava que era dia e no entanto ela o fez deitar-se e que ficasse bem comportadinho, não abrisse a janela nem a porta e muito menos fosse àqueles sacadões altíssimos.

Deitado, esperava, e ouvia vozes no corredor e portas que batiam e ouvia também arrulhos de pombas e, às vezes longe, às vezes perto, a correria dos bondes a rinchar. E tinha medo, fome, tinha falta de ar e ela não voltava. A cama conservava o cheiro dela e ele, abraçado ao travesseiro, suplicava: "Volta, mamãe". E ela não voltava. E quando lhe ocorreu que ela poderia não voltar, desceu da cama, abriu a porta e seguiu pelo corredor, na esperança de avistá-la das sacadas. Subiu na grade e, sem entender, viu que era noite. Depois pensou que talvez tivesse dormido sem sentir, ou talvez já fosse noite antes e, por causa das luzes, pudesse ter pensado que era dia.

Foi então que apareceu o velho de cabelo em pé e quis pegar seu braço. Correu para o canto da sacada, ia gritar, mas o velho foi embora e em seguida veio um empregado do hotel, que o levou de volta ao quarto e permaneceu junto à porta aberta, sentado num banquinho, conversando, rindo, dizendo que tinha um filho de seu tamanho chamado José Pedro.

José Pedro, isso.

O pai de José Pedro só se retirou quando ela chegou com o pratinho da janta, preocupada, esbaforida, e depois de abraçá-lo, um abraço tão apertado que quase o sufocou, tirou da bolsa um embrulhinho e olha o que eu trouxe para o meu mimoso.

Não quis abrir, sentido, e ela mesma o fez. Gostaste, amor? Ele olhou e já não estava mais sentido. Estava feliz. Afinal, ela tinha voltado e com ela não viera um general, só aquele soldadinho envolto no perfume dela, tão bonitinho, o mesmo que agora ele apertava na mão e que, entre as lembranças do Majestic Hotel, era sua única certeza.

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