A porta do elevador fechou-se às suas costas e ele viu um corredor sombrio, de paredes cinzentas que teriam sido brancas. Sucediam-se umas quantas portas e foi passando por elas, à procura daquela cujo número indicava o papel que trazia na mão. Era a penúltima, abrindo-se para uma saleta com cadeiras de plástico e metal.
Já uma moça estava ali.
Ele entrou e foi sentar-se na cadeira abaixo da janela. Na saleta não havia mesa de centro, não havia revistas, jornais ou quadros nas paredes, apenas as cadeiras e, pendendo do teto, um pequeno lustre enferrujado. O edifício vizinho obstruía parcialmente a luz natural e embora a tarde recém fosse começar a lâmpada estava acesa.
— Está funcionando a casa?
— Está — disse a moça, como assustando-se.
Uma porta interna, então fechada, fazia a comunicação da saleta com outras dependências. Era uma porta maciça com moldura de ferro e dali provinham vozes abafadas.
— Demoram pra atender?
— Não sei. Acho que não.
Notou que ela estava inquieta, sobressaltando-se a cada estrondo dos elevadores, e ele mesmo também se inquietava, estremecia e novamente estremeceu, pouco depois, quando a porta de ferro se abriu. Um homem idoso se retirava. Atrás dele assomou um tipo retaco, melenudo, de traços indiáticos e idade indefinida, que trazia na cintura um coldre vazio.
— O próximo.
A moça ergueu-se e entrou.
Vendo-se sozinho, o homem acercou-se da janela, defrontando-se com o paredão do edifício ao lado. Seu olhar desviou-se da opressiva muralha e, pelo escasso vão entre os dois prédios, foi dar num terceiro, do qual avistava parte do terraço. As amuradas estavam enegrecidas de fuligem e havia muita sujeira à volta da casinhola do elevador, papéis velhos, tiras de plástico, restos de embalagens e caixotes destroçados. O lixo, ele pensou, e debruçando-se à janela, esticando-se perigosamente, pôde ver além, e acima de outros terraços parecidos, uma nesga do rio, a ponte, um barco no canal, e mais longe ainda, na linha do horizonte, o campo, matos esparsos, contornos imprecisos de serras — um sonho mineral que pairava, inalcançável, sobre os pesadelos da cidade.
A moça foi atendida e retirou-se com pressa, sem olhar para os lados. Suas faces estavam rubras.
— O senhor — disse o índio. Passou à outra sala.
Aquele que poderia atenuar ou talvez adiar suas dificuldades era um sujeito gordo e calvo, escarranchado atrás de uma escrivaninha onde havia uma calculadora, uma pequena pedra retangular e uma balança de precisão. Usava óculos de lentes grossas que apequenavam seus olhos vivos e escuros, e acabara de almoçar, decerto, pois tinha os lábios gordurosos e, no inferior, uma plaqueta de verdura. Cumprimentou-o em tom neutro e indicou a cadeira à frente da mesa. O índio desapareceu atrás de um tabique.
O homem tirou do bolso um diminuto estojo e abriu-o na mesa. Era uma corrente dourada, com um pendentif em forma de coração. O gordo, após examiná-la, colocou-a sobre a pedra. Apanhou na gaveta um frasco, e com um pino de vidro deitou duas gotas sobre a correntinha e seu pingente. O outro lhe seguia os movimentos e viu que as gotículas começavam a ferver e a adquirir uma coloração esverdeada.
— Desculpe — disse o gordo —, é bijuteria.
— Bijuteria? — e ante a confirmação, insistiu: — Quer dizer que não é ouro? O gordo o olhava e tamborilava com os dedos na mesa.
— Me venderam como ouro... ouro espanhol...
— Bijuteria. Desculpe.
Ele passou a mão na testa úmida, o canto de seus lábios repuxou-se num tique. O gordo continuava a tamborilar e olhava para a aliança que o visitante trazia no anular da mão esquerda.
— Bonita joia.
O homem retraiu as mãos ao regaço e por momentos ficou imóvel, presa de sentimentos que se entremostravam em lampejos do olhar. Desfez-se, porém, da aliança, pondo-a na mesa.
— Quanto daria por ela?
Dispensando a operação do ácido, o gordo levou-a à balança, contrapondo um peso que logo foi substituído por outro maior.
— Três gramas.
— E isso...?
O comerciante fez a oferta.
— Mas é tão pouco — disse o homem.
— Se quiser tentar noutro lugar...
— Não, não. Está bem.
Ouviu ruídos atrás do tabique, e o índio, que por certo escutara a conversa, apareceu com o dinheiro.
— Obrigado — ele disse, e guardou a correntinha.
Na rua, junto à porta do edifício, esperava-o uma mulher.
— Conseguiste? — ela perguntou, tomando-lhe o braço.
Não respondeu e a compeliu com suavidade, fazendo-a andar.
— Não me tortura. Conseguiste?
— Consegui.
— Ah, que bom — fez ela —, que alívio! Eu sinto tanto pelo meu pendentif... Mas agora a gente pode ficar em paz, ao menos por uns dias.
Ele nada disse. Seus lábios tremiam, mas dominava-se, e à falta de outro conforto ia pensando, como quem pensa em Deus, naquelas serras distantes que vira da janela.