Depois do almoço ele lê os classificados do jornal. É um velho sonho, um piano para Luíza, que em sua juventude pinicava valsinhas no Fritz Dobbert do avô. Há oito anos lê os classificados e os pianos cada vez mais caros, uma pouca vergonha. Pede um lápis, anota um telefone.
— Segunda vou ligar.
— É Fritz Dobbert?
— Não diz.
— Nem quanto custa?
— São espertos...
— Devia ser obrigatório pôr o preço — diz ela, recolhendo os pratos.
— Nesse país nada é obrigatório.
Luíza para na porta da cozinha, bandeja na mão.
— Por favor, não fala de política na frente das crianças.
O marido de Luíza toma um cafezinho e lembra às meninas que está na hora de nanar. Elas sabem que, no sábado, a sesta é uma lei da casa, mas sempre se arrenegam. O pai se enfuna:
— Cama!
Elas passam, uma a uma, e vão-se acomodando em suas caminhas de beliche. Luíza costuma reclamar quando seu marido fala duro com as filhas, mas agora parece não ouvir. Chega à janela, sonhadora, ajeita a mecha de cabelo que caiu na testa. Examina as mãos e morde um fiapinho da cutícula.
Ele é o primeiro a dormir. Dorme profundamente, ronca, no quarto ao lado as meninas ressonam. Luíza não. Ela olha para o teto, às vezes espia o marido e acha que seu descanso está mais demorado do que noutros sábados. Encosta-se nele. O homem resmunga, pisca.
— Hein?
— Não falei.
Nota que ele está meio jururu e o abraça, deixando escorregar, por gosto, a alça do sutiã. Pouco a pouco o rosto dele se desanuvia. Passa a mão nos quadris da mulher, de início como distraído, ausente, logo mais animado, tentando despi-la.
— Deixa que eu tiro — diz Luíza.
Não chega a fazê-lo. No outro quarto, um objeto cai e rola pelo chão.
— Será que já acordaram?
Levanta-se, vai olhar. As meninas dormem, mas o sono da caçula é agitado: derrubou o vasinho do bidê. Luíza toca na testa dela, não, febre não é. Recolhe o vaso. Da janela, vê nos fundos do edifício, no playground, uma garota a beijar o namorado. Encosta a cabeça na vidraça, suspira.
Ao voltar, encontra o marido outra vez com cara de segunda-feira. Ela também sente qualquer coisa dolorosa, uma tristeza vaga, um misto de saudade e desânimo. Ah, o tempo em que tocava piano, quando era mocinha e vestia seu melhor vestido e trançava o cabelo e se perfumava para esperar o professor, um italiano de costeletas e penteado a la tyrone, dono de um repertório inesgotável de valsas e galanteios. Ai, o Danúbio Azul! E aqueles olhos suplicantes fitos nos seus, e aquelas mãos fortes e suaves a passear no teclado, como titilando as notas mais secretas de seu corpo...
Ambos estão calados, pensativos, mas não por muito tempo. Um choro e agora é o pai que vai olhar.
— Não ralha com elas.
— Não vou ralhar.
A pequeninha quer ir ao banheiro. Pega-a no colo e a leva, mas não sabe como ajudá-la. Retorna ao quarto.
— Cocô — adivinha Luíza.
— Ela não sabe se limpar?
— Saber, sabe, mas não faz direito. Tem que lavar.
Trocam. Ele se deita, ela se levanta. Minutos depois está de volta.
— Pronto.
Traz as mãos úmidas, frias, acabou de lavá-las. Aquece-as entre as pernas, ao mesmo tempo em que se aconchega ao corpo do marido. Vê que ele está olhando o relógio.
— Que foi?
— O Rudi.
— O Rudi?
— Ele ficou de trazer um atestado pra eu entregar lá no serviço.
— Que horas ele vem?
— Não sei, não disse.
Logo hoje, ela pensa. E já vai tirando a roupa, na urgência de salvar o sábado. Antes que venha outro cocô. Antes que venha o Rudi. Antes que venha a nostalgia das valsas de Viena.