Um Dia de Glória - Conto de Sergio Faraco | Fantástica Cultural

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Um Dia de Glória - Conto de Sergio Faraco

Autores Selecionados ⋅ 6 set. 2024
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"Que dia! Sentaram-se todos na cama e Luíza fez questão de contar, tintim por tintim, sua aventura matutina"

Na manhã em que vieram entregar o roupeiro novo, Luíza não sabia o que fazer com os carregadores. Ofereceu cafezinho e copos de refresco, cheia de gratidão, como se deles proviesse o bem que a redimia de tão longa espera. Agora o roupeiro estava ali, no lugar daquela geringonça que a vexava, obrigando-a a encostar a porta do quarto quando recebia visitas. Suas roupas e também as do marido estavam sobre a cama e antes de guardá-las sentou-se para admirar a maravilha. Tinha espaço para todo o vestuário da família, prateleiras, gavetas, calceiras, e ainda a parte superior para os cobertores, as colchas e as toalhas. Meu Deus, ela murmurou, certa de que aquele era um dos dias mais felizes de sua vida.

No fim da manhã chegaram as meninas da escola e Luíza as recebeu com um sorriso iluminado.

— Surpresa! Supresa!

Ajudou-as a tirar as mochilinhas e as levou ao quarto. Elas não a decepcionaram, saudando a novidade com o alvoroço de suas exclamações gasguitas. Escolheram as respectivas prateleiras e depois do almoço, gorjeando como pardoquinhas, começaram a arrumar as roupas. Luíza já guardara as do casal e as orientava e auxiliava e às vezes suspirava, com os olhos marejados.

O marido de Luíza chegou ao cair da noite, cansado como sempre, mas ansioso.

— Veio?

— É lindo, um sonho...

Desde o ano anterior ele vinha pondo de lado, mensalmente, uma pequena quantia, e a cada vez que subia seu capital, descobria, consternado, que também tinha subido o preço do roupeiro. Esperava fazer a compra em alguns meses, mas levara mais de ano correndo atrás do preço e só pudera alcançá-lo à custa de sacrifícios que, naquele instante, não queria lembrar.

No quarto, estranhou, desde logo, o resto da mobília. Sua cama parecia agora a cama de um albergue, as cortinas, farrapos sujos, e a própria parede, com manchas conhecidas de umidade, mostrava outras que ele nunca tinha visto. Mas o roupeiro... E a mulher e as meninas o olhavam. Ele abriu as portas uma a uma, as gavetas, examinou os puxadores e as porcas que os prendiam por dentro, bateu com o nó do dedo na madeira e passou a mão na superfície envernizada.

— Beleza pura — disse.

Luíza, sem poder conter-se, bateu palmas, e as meninas se abraçaram à cintura do pai. Que dia! Sentaram-se todos na cama e Luíza fez questão de contar, tintim por tintim, sua aventura matutina, desde a chegada dos carregadores até o momento em que se despediram — um deles, por sinal, muito interessado no guarda-roupa velho, que jazia desmontado na área de serviço.

A janta naquela noite foi frugal, mas ninguém reclamou. Depois as meninas foram ver televisão e o casal ficou a relembrar o quanto havia custado, verdadeiramente, aquele dia de glória. A mão do homem estava sobre a mesa, a caçar farelinhos de pão, e a mulher pôs a sua sobre a dele.


* * *


As crianças já dormiam. Luíza e o marido, na cama, tinham deixado a luz acesa e olhavam para o roupeiro novo com orgulho, reverência e um receio incerto. Quando apagaram a luz, bem mais tarde do que costumavam, o roupeiro resplandecia na penumbra, como envolto numa aura.

— Que coisa — disse Luíza —, dá até uma vontade de rezar, não dá?

— Dá — ele disse.

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