Vão de automóvel. Queria levá-la e então inventou que hoje o trânsito vai ser uma loucura e é melhor que te leve, que é que custa. Precisava estar com ela um pouco, tendo-a só para si e sendo só dela.
Vão costeando o rio.
Em Porto Alegre, para quem vem da zona sul e vai ao centro, há um caminho mais curto, via Teresópolis, mas pela orla do Guaíba a viagem é serena, dá para ir cismando, trocando umas palavrinhas e é isso que ele quer.
— Então, primeiro dia...
— Pois é — faz ela.
E ele não continua. Tinha planejado tudo, palavra por palavra, mas agora se envergonha do discurso e viaja em silêncio, circunspecto, absorto.
Quando ela era criança, pintinha arrepiada e feia, sabia como falar, olha, cuidado isso, cuidado aquilo, e às vezes nem era necessário falar, um muxoxo resolvia, um resmungo, um olhar de viés. Mas hoje... e então a vê de relance, como é linda e que peitos, parece mentira que um dia mudei suas fraldas.
E passam pelo Jockey, sobem e descem a Lomba do Asseio e já se aproximam do Parque da Marinha, metade do caminho e ele tenta continuar:
— Um dia importante.
Ela olha para o lado e ali vai um sedã com dois jovens que olham para ela.
— Ouviste o que eu disse?
— Hein?
O outro carro já se afasta e ele ergue a voz:
— Eu disse que hoje é um dia importante.
— Eu sei que é importante, pai.
— É o começo!
— Claro, paizinho, eu sei que é o começo.
Sabe tudo, é? Pois não sabe, não pode saber. E pensa: só eu sei. O começo do fim. E não consegue expressar-se porque, afinal, isso não é coisa que se expresse. Sente-se, só isso, e já basta para ser insuportável.
O começo do fim.
É quando os filhos, pouco a pouco, vão-se afastando dos pais. É o sinal mais evidente de que cresceram e se desconfortam nas proporções do ninho. Os rapazes ainda marcam passo, querendo provar ao mundo que venceram a guerra das espinhas, mas as moças logo põem-se a namorar a sério e a pensar em casamento. Ao menos antes era assim, no tempo das donzelas. E vamos que ainda seja, imagine, pode chegar um mangolão de bigode e até querer que ela pare de estudar. Que vá costurar e fazer o rango dele. Não, isso nunca, eu mato esse desgraçado. Não pode parar de estudar. E também não quero um de bigode.
E cisma e cisma, sério como um ganso, e se assusta ao ver que estão chegando.
— Olha, isso de primeiro dia... — ia fazer um remendo e se arrepende.
Ela retoca os lábios, olhando-se num espelhinho que é a tampa de um pequeno estojo.
— Primeiro dia? De novo?
Engole em seco. E enquanto manobra para estacionar, pergunta, quase pede:
— Queres que eu venha te buscar?
— Era só o que faltava.
— Posso dar um jeito.
— Não, pai. E também não precisa ficar assim, com essa cara de enterro. Qual é o problema? O primeiro dia?
— Não, que nada — diz ele. — Te esperamos — e acrescenta: — Eu, a mãe, a vó. Ela vai descer.
— Vão me esperar?
— Em nossa casa.
— Que foi que eu fiz?
— Como que foi que eu fiz?
— Francamente, pai...
Ele nada diz.
— É preocupação comigo?
Agarra firme o volante, olhando em frente.
— É isso?
— Preocupação? Ora... Ela o beija.
— E aí, paizão, contente?
— Muito.
— Vai dar tudo certo.
— Certíssimo.
— Um dia vou desenhar uma casa pra ti.
— Eu sei que vai, tenho certeza.
Abana, sorridente, abana outra vez e lá se vai, campante, a formosa ex-pintinha. Ele reprime um soluço e fica ali parado, olhos fechados, para um último hausto do cheirinho que ela deixou no ar e um dia levará para o aconchego de outro ninho.