Direitos Reprodutivos dos Homens: teriam os homens direitos reprodutivos? | Fantástica Cultural

Artigo Direitos Reprodutivos dos Homens: teriam os homens direitos reprodutivos?

Direitos Reprodutivos dos Homens: teriam os homens direitos reprodutivos?

Por Paulo Nunes ⋅ 31 out. 2024
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Perguntas que ninguém ousa fazer, e muito menos responder, costumam ser os dilemas morais mais graves de uma época. São aqueles que, no futuro, serão vistos com horror: por que todos silenciavam sobre isso?

Não. A resposta breve é não.

Se você tem estômago para entender por que, eis a explicação: quando se trata de reprodução humana, os únicos direitos que os homens podem usufruir são os que também beneficiam as mulheres, e apenas quando elas assim o consentem. Basta ver alguns exemplos.

Uma mulher pode desfazer-se de um bebê a qualquer momento, dando-o para adoção. O homem não possui este direito.

É um direito garantido à mulher decidir se ela quer ou não criar o filho. Ela pode recusar-se a criá-lo por várias razões:

  • Ela pode ter engravidado por acidente, embora não deseje filhos.
  • Ela pode não querer filhos naquele momento, mas planeja ter no futuro.
  • Ela pode não querer um filho do homem específico que a engravidou.
  • Ela não tem dinheiro para arcar com as despesas do filho.
  • Ela tem dinheiro, mas não quer arcar com as despesas de ter um filho.
  • Qualquer motivação é justificável. Os fatores citados acima, assim como tantos outros, são motivações que levam mulheres a dar seus filhos para adoção. Note: pode ser inclusive porque não se quer arcar com despesas (motivação financeira), ou porque não se quer o vínculo com o pai, ou porque se quer evitar a responsabilidade.

    Um homem, conforme as leis brasileiras, não possui nenhum desses direitos. Ele não possui qualquer poder nestas decisões, e será forçado, conforme a vontade e soberania exclusiva da mulher, a desempenhar responsabilidades que ela lhe impõe, responsabilidades estas que a própria mulher pode recusar-se a cumprir livremente, por qualquer pretexto (ou nenhum).

  • A mulher pode livrar-se da criança por razões financeiras, sem jamais pagar nada. No caso da mulher, é fácil ter compaixão. O homem, porém, é compelido pelo poder de polícia e será preso caso não pague pensão mensalmente, e por quase duas décadas. Caso este homem não possa pagar, ou passe duras penas para fazê-lo, nenhuma compaixão lhe será dedicada, pois é homem. Pode ser pobre, e pode ter seu futuro inteiro comprometido por uma despesa inicial com a qual não pôde arcar. Mas sendo homem, é o que se espera dele.
  • A mulher pode livrar-se da criança apenas porque não quer mais ter relações com o pai. No caso da mulher, outra vez, é fácil simpatizar. Já o homem será para sempre vinculado à criança que não quis ter, devido ao vínculo legal inquebrável. Dando a criança para adoção, a mãe desvincula-se para sempre do filho, é como se ele nunca tivesse existido. Ao pai não é garantido este direito, afinal ele é homem, e ninguém quer ouvi-lo reclamar.
  • A mulher pode livrar-se da criança porque não quer ter filhos, ou porque só quer ter filhos no futuro. É fácil simpatizar com ela, pois parece uma forma de opressão impor à mulher o fardo de uma maternidade indesejada, ou atrapalhar sua juventude e carreira. Por óbvio, nenhuma dessas considerações é relevante quando o fardo é carregado pelo homem. Se a mulher escolhe ter filho, ou ter filho agora, o homem não tem qualquer direito nessa decisão, nem mesmo o direito de abster-se da paternidade (ainda que a mulher o possa fazer).

A mulher, assim, não decide apenas sobre sua gravidez, sobre sua maternidade. Ela decide pelo pai sobre sua paternidade.

E aborto sequer foi mencionado. Por ora, o aborto continua sendo ilegal no Brasil. No entanto, considerando o que é defendido por quem apoia o direito ao aborto, bem como o que ocorre em países que o permitem, é esperado que as mesmas desigualdades de direitos se aplicariam à terminação da gravidez.

Naturalmente, não competiria ao homem decidir sobre o término de uma gravidez. No entanto, a decisão de abortar é motivada quase sempre pelas mesmas razões listadas acima (a mulher não quer filhos, não quer ou não pode custear a criação de filhos, não quer um filho de determinado pai); este seria ainda outro direito a que só a mulher teria acesso, seguindo-se que ela poderia, outra vez, escolher livremente sobre sua maternidade, vida financeira e relação com o parceiro, deixando o homem à mercê de suas decisões pessoais e das punições legais associadas à desobediência à vontade da mulher.

E estes são apenas alguns dos direitos reprodutivos.

Poderíamos falar no direito à guarda das crianças: no Brasil, seguindo o padrão mundial, a guarda é concedida ao pai em apenas 11,3% dos divórcios. A guarda compartilhada é concedida em 37,8%. Assim, a alienação parental é um fenômeno comum e naturalizado, que afeta majoritariamente os homens, mas que leva a consequências graves para os filhos, devido à desestruturação familiar.

Poderíamos falar também na estigmatização da sexualidade masculina, que associa a atração sexual de homens por mulheres à objetificação (desumanização da mulher) e a vincula diretamente a uma "cultura do estupro".

Poderíamos mencionar também o abandono do princípio da inocência, isto é, a abolição do devido processo legal, em favor de uma presunção da culpabilidade baseada no sexo do acusante e no sexo do acusado. Isso, é claro, nas acusações de violência doméstica ou estupro, em que o acusante é automaticamente categorizado como vítima (classificação que só se poderia determinar após a conclusão do julgamento), ainda que o acusado frequentemente seja ele próprio a vítima de difamação e perseguição do acusador por meio do aparato de polícia.

Mas, obviamente, nenhum desses fatos ou contradições constitui problema para quem se beneficia desta situação. Aparentemente, o patriarcado opressor não tem tanto poder assim.

Em suma, todos os "direitos reprodutivos" que os homens podem desfrutar são aqueles que as mulheres lhes concedem, quando assim lhes agrada. Pois o poder decisório está inteiramente na mão delas.

Você ainda acha que feminismo é sobre igualdade?



Obs.: caso você esteja um pouco perdido na interpretação deste texto, que fique claro: não há qualquer coletivização de culpa aqui. Não se está criticando mulheres em geral, tampouco defendendo homens em geral. Há pessoas éticas, e há pessoas oportunistas, abusivas e de péssimo caráter. A crítica neste artigo é à distorção aberrante do sistema jurídico atual, e a todos que o defendem (por ignorância e, principalmente, por se beneficiar dele à custa do direito de outros).

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Paulo Nunes

Escritor, editor, ilustrador e pesquisador



Merlin - Capista de Livros


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