Contos de fadas como Branca de Neve são, para as meninas, o que histórias de aventuras heroicas são para os meninos. São uma forma de narrativa apropriada para crianças, mas cujo valor não se limita ao entretenimento. Os melhores contos infantis são aqueles que contêm lições de vida, certos insights relevantes sobre o mundo real incorporados à própria narrativa.
Esta, aliás, sempre foi a função principal de escutar histórias. É da própria natureza humana compartilhar narrativas, verdadeiras ou fictícios, aprendendo coletivamente sobre o universo e sobre nós mesmos. Evoluímos, como espécie, apaixonados por todo tipo de histórias, do mito às fofocas, dos jornais ao cinema, porque sem elas estaríamos perdidos. Organizamos nossa realidade por meio de narrativas.
Mas assim como nem toda história é interessante para todo ouvinte, nem todo insight é útil para toda pessoa. Alguns contos de fadas, por exemplo, apresentam maior valor para meninas, como é o caso de Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela, Rapunzel e A Bela Adormecida. Por esta razão, essas histórias costumam ser mais apreciados por meninas, dando assim origem, no século XX, à linhagem das princesas Disney.
Em Branca de Neve, assim como em outros contos similares, somos apresentados a temas particularmente femininos. Em geral, a protagonista representa uma encarnação virtuosa da feminilidade, contrastando com uma encarnação viciosa, a vilã.
Não é à toa que o principal antagonista nestas histórias é também uma mulher.
Alguns dos temas comuns nestes contos incluem virtudes como bondade, humildade, inocência, pureza e otimismo, enquanto entre os vícios encontramos a vaidade, a crueldade, a rivalidade entre mulheres, a inveja e o ciúme.
A partir da fala mais memorável de Branca de Neve, já podemos identificar um de seus temas principais:
— Espelho, espelho meu —, disse a rainha, — existe alguém mais bela do que eu?
A rainha bruxa, madrasta de Branca de Neve, vive obcecada com sua aparência. Sua consulta periódica ao espelho é menos uma metáfora do que uma tradução exata de sua compulsão narcisista. Embora o espelho abrigue um gênio mágico, algo raro de se encontrar nos espelhos modernos, o ato compulsivo de checar a própria aparência e comparar-se com outras pessoas não possui nada de fantasioso: é uma realidade muito mais que comum.
A beleza mágica de Branca de Neve, ao contrário da beleza da rainha, está associada à sua pureza de espírito. Ao contemplá-la, todos se encantam. A própria natureza enamora-se dela.
Assim começa o conto dos Irmãos Grimm:
Uma vez, há muito, muito tempo, no meio do inverno, enquanto flocos de neve caíam do céu como fina plumagem, uma rainha, nobre e bela, estava ao pé de uma janela aberta, cuja moldura era de ébano. Bordava distraída e, de quando em quando, olhava os flocos caindo. Acabou espetando o dedo com a agulha e três gotinhas de sangue vermelho caíram na neve, produzindo um efeito tão lindo, o branco manchado de vermelho e realçado pela negra moldura da janela, que a rainha suspirou e disse para si mesma: Quem me dera ter uma filha tão branca como a neve, os lábios vermelhos como o sangue e cabelos negros como o ébano!
Seu desejo, é claro, tornou-se realidade. Nascida a menina, sua "pele era tão branca como a neve, os lábios eram vermelhos como o sangue e com cabelos negros como o ébano". Sua mãe, porém, faleceu pouco depois de seu nascimento.
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