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Artigo Da Matemática à Loucura: Pi, de Darren Aronofsky
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Da Matemática à Loucura: Pi, de Darren Aronofsky

Por Paulo Nunes ⋅ 21 dez. 2019
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Max, um gênio da matemática, está empenhado em decifrar a lógica do universo por meio dos números. Não por acaso, está prestes a enlouquecer.

pi de darren aronofsky

Alguns filmes nos lembram de que, no cinema, verba e qualidade definitivamente não são equivalentes. Um bom exemplo disso é Pi, um thriller de ideais escrito e dirigido por Darren Aronofsky (diretor também de Cisne Negro e Réquiem para um Sonho). Não seria exagero dizer que o custo baixíssimo de sua produção foi inversamente proporcional à qualidade de seu produto final. Aliando a simplicidade técnica a um roteiro inteligente, o filme utiliza-se da escassez de recursos para definir sua identidade visual. Filmado em preto e branco e em tons altamente contrastados, foge dos ângulos óbvios de fotografia e, com sequências de imagens intensas, frenéticas e ofuscantes, faz o espectador confundir sua percepção com a dos personagens. Todos os méritos somados, Pi transformou seus sessenta mil dólares de investimento em um retorno de mais de três milhões - e também em vários prêmios pelo mundo.

O protagonista, Max, é um gênio da matemática empenhado em decifrar a lógica universal por meio dos números. Ele parte dos seguintes princípios:

1: A matemática é a linguagem da natureza.

2: Tudo ao nosso redor pode ser representado e entendido através dos números.

3: Se representarmos graficamente os números de qualquer sistema, surgem padrões.

pi de darren aronofsky

Concluindo, assim, que há padrões por toda a natureza, Max passa a buscar uma chave numérica para o universo.

Seu projeto, no entanto, torna-se uma obsessão. Ele isola-se do mundo e, como uma máquina de pensar, passa a dedicar-se exclusivamente ao trabalho intelectual. Não à toa, sua capacidade mental é disputada: enquanto uma empresa tenta arrancar-lhe a fórmula de previsão da Bolsa de Valores, um grupo de Cabala o procura em busca do número sagrado de Deus. Assim, Pi ultrapassa a temática científica incorporando elementos filosóficos e religiosos.

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Os membros da Cabala, por exemplo, encaram o texto de seu livro sagrado (o Torá) também como uma sequência numérica. Isso ocorre porque, no idioma dessas escrituras, o aramaico, há uma correspondência entre letras e algarismos. A partir desse elo entre palavras e números, alguns acreditam que o Torá, como manifestação de Deus, pode revelar verdades universais de forma cifrada. Max, como matemática, é encarregado de inspecionar este suposto código-fonte do universo, incumbido de encontrar uma sequência sagrada de 216 dígitos que, para a Cabala, representaria o nome verdadeiro de Deus.

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Em seu mergulho intelectual, contudo, Max rompe os limites entre a obsessão e a loucura. Ele é um gênio aos moldes de John Nash, de Uma Mente Brilhante, que experiencia uma odisseia psicológica enquanto sua vida real é aos poucos arruinada. Assim como alguns personagens do Antigo Testamento que têm sua visão queimada ao encararem a face de Deus, Max vê-se enlouquecendo diante do número sagrado da Cabala - uma tradução matemática do rosto divino, visão que nenhum mortal deveria ser capaz de suportar.

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Como em outros filmes seus, Darren Aronofsky desperta no espectador a mesma aflição de seus personagens. Mas várias das reflexões em Pi, lançado em 1998, são únicas em sua filmografia. Assim como os computadores do filme que, ao processarem o número sagrado, queimam, devido ao contato proibido com o divino, Max está fadado a ter sua mente destroçada, a enlouquecer em sua tentativa de compreender o universo. Sina que também assombra as empreitadas de progresso da humanidade.

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Obs.: não tente isso em casa.

foto do autor

Paulo Nunes

Escritor, editor, ilustrador e pesquisador



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