
O charme de Peter Pan tem encantado gerações de crianças e adultos desde sua aparição inaugural, na forma de uma peça de teatro, em 1904. O autor, J. M. Barrie, nomeou a peça de Peter Pan, ou o menino que não queira crescer, e em resposta à sua retumbante popularidade, expandiu as aventuras de Pan em um livro, Peter Pan e Wendy, publicado em 1911. O título da obra impressa já indicava que a narrativa não era inteiramente sobre Peter Pan, mas até hoje, o lado de Wendy na história é posto de lado, ofuscado pela petulância mágica do menino que não queria crescer. Em 1953, Wendy foi outra vez omitida do título na animação da Disney. Pobre Wendy! Se bem que talvez ela não se importasse, como veremos.
Peter Pan e Wendy, como título, engloba os dois temas centrais do livro. Enquanto Peter é a encarnação mítica da eterna criança, sempre em busca de diversão e escapando de toda e qualquer responsabilidade, Wendy assume, com orgulho e deleite, o papel de figura materna, ativando seu instinto cuidador.

Assim, Peter Pan e Wendy é tanto uma celebração da infância quanto uma ode às mães. As várias adaptações do livro não fazem justiça à veneração e à deferência de J. M. Barrie à maternidade, assim como seu profundo respeito pelas mães (seja as de faz de conta, como a jovem Wendy, seja as verdadeiras).
Pan é o oposto de Wendy nesse assunto. Para ele, antes morrer do que crescer. Ao ser convidado a morar com os pais de Wendy, ele pergunta:
— Aí eu teria que ir para a escola?
— Sim —, respondeu a Sra. Darling, mãe de Wendy.
— E depois eu teria que trabalhar em um escritório?
— Imagino que sim.
— Então logo, logo eu seria adulto?
— Sim. Muito em breve.
— Eu não quero ir para a escola aprender coisas sérias. Não quero ser adulto. — Quando a Sra. Darling tentou tocar Peter para acalmá-lo, ele a afastou bruscamente. — Fique longe, senhora! Ninguém vai me prender...
Não à toa, a filosofia de vida de Peter Pan é bastante popular, mesmo muito antes de Barrie ter inventado seu personagem. Deixar para trás a liberdade da infância, e a vida mágica, livre de responsabilidades, da Terra do Nunca, é o terror de muitos jovens e adultos.

Com as mudanças culturais que se desenrolaram ao longo do século XX, o fenômeno tornou-se ainda mais comum, tendo, em 1983, ganhado maior visibilidade com o best-seller Síndrome de Peter Pan, do psicólogo norte-americano Dan Kiley. Trata-se de um assunto de interesse particular para as mulheres, ou mais especificamente, para aquelas que se encantam com homens que não querem crescer: embora a imaturidade e a irresponsabilidade dos homens Peter Pan levem suas parceiras à loucura, assim também seu encanto as faz perder a razão — mais no sentido inverso, conquistando seu coração, assim como o de Wendy.
A obra de Barrie dá enfoque às qualidades maternas, mas não é nada saudável para mulheres adultas tratar seus parceiros como filhos. É nesse sentido que outro psicólogo, desta vez o espanhol Enrique Rojas, elaborou o livro Síndrome de Wendy, de 1999, explorando o lado patológico do instinto materno, quando mal direcionado.
O Amor de Wendy
Ao transformar a peça teatral Peter Pan em livro, Barrie incluiu o nome de Wendy no título, pois se trata de uma personagem essencial para a história e para a própria temática. O papel de Wendy é o do amor — ou melhor, duas formas distintas de amor: o materno e o romântico.
Assim como Barrie, os garotos da história — incluindo Peter Pan — apresentam uma veneração pela figura materna. Ao encontrar Wendy, Peter a leva para a Terra do Nunca e a anuncia orgulhoso aos garotos perdidos:
— Ótimas notícias, garotos! Finalmente trouxe uma mãe para vocês.
Aqui, a animação da Disney e o livro divergem bastante. Enquanto no filme Wendy não assume compromisso nenhum em cuidar dos meninos, e quer voltar para casa logo no dia seguinte, na versão literária ela abraça a tarefa quase sem hesitar, cumprindo o papel de mãe por semanas, talvez meses (é difícil medir, pois o tempo é mal comportado na Terra do Nunca).
Para os meninos perdidos do livro, uma mãe, uma mulher e uma menina eram a mesma coisa. "Quando meninas aparecem para mim em sonhos, diz Piuí, um dos garotos perdidos, "sempre digo: 'Mãezinha linda, minha mãezinha linda'". Eles pedem a Wendy:
— Ah, menina Wendy, seja nossa mãe!
— Será que eu devo? — perguntou Wendy, radiante. — A ideia é fascinante, mas sabe, sou só uma menina. Não tenho experiência como mãe.
— Nós precisamos de alguém gentil e com um bom instinto maternal.
— Nossa! É exatamente assim que eu sou.
Essa é, para os meninos, uma chance de serem finalmente cuidados, educados e entretidos, tornando-se o foco de uma proteção amorosa (proteção mais espiritual do que concreta). Uma figura feminina carinhosa, atenciosa e diligente traria ordem e doçura à sua vida caótica e grosseira de aventureiros.

A maternidade de Wendy, no entanto, é apenas um faz de conta e seu verdadeiro amor materno só surgirá mais tarde, ao final do livro, quando nasce sua filha Jane. Já seu amor por Peter, do tipo romântico, é real desde o primeiro instante.
Em vários sentidos, Peter Pan é um arquétipo masculino inadequado, a começar pelo fato óbvio de ele ser apenas uma criança. No entanto, alguns de seus traços de personalidade e atitudes em relação à vida podem ser encontrados em adultos imaturos: homens irresponsáveis, mas cheios de promessas irresistíveis; encrenqueiros, mas sempre trazendo aventuras e diversão; emocionalmente infantis, mas capazes de seduzir e encantar quase sem esforço.
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