Efeito Dunning-Kruger: Por que os humanos são tão estúpidos? | Fantástica Cultural

Artigo Efeito Dunning-Kruger: Por que os humanos são tão estúpidos?

Efeito Dunning-Kruger: Por que os humanos são tão estúpidos?

Por Paulo Nunes ⋅ 1 ago. 2020
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"É difícil vencer um debate com uma pessoa inteligente. Mas é praticamente impossível vencer um debate com uma pessoa estúpida." - Bill Murray

efeito dunning

Eis um paradoxo intrigante: as únicas pessoas que conseguem perceber sua própria estupidez são, ironicamente, as mais inteligentes. É verdade que todos os seres humanos são falhos, e somos sempre ignorantes da maior para do conhecimento disponível. Porém, até mesmo para avaliarmos a extensão de nossa ignorância, precisamos da inteligência.

Esse fenômeno é mais popularmente conhecido como efeito Dunning-Kruger: quanto menos um indivíduo sabe sobre um determinado "É difícil vencer um debate com uma pessoa inteligente. Mas é praticamente impossível vencer um debate com uma pessoa estúpida." - Bill Murray assunto, mais ele julga saber sobre o tópico, o que pode levá-lo a tomar decisões equivocadas ou perigosas. Ao que tudo indica, este quadro cognitivo é o padrão para nós, seres humanos, ainda que afete as pessoas de forma diferente, e em graus variados. Estimar a verdadeira extensão de nossos conhecimentos e capacidades é sempre um desafio.

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O feito Dunning-Kruger foi primeiramente estudado por David Dunning e Justin Kruger, inspirados no assalto cometido por McArthur Wheeler em 1995. Wheeler havia assaltado dois bancos no mesmo dia, na cidade de Pittsburg, na Pensilvânia, mas ao contrário dos bandidos tradicionais, não usou nenhuma máscara para esconder seu rosto. Após ser identificado pelas câmeras, Wheeler foi preso e questionado pela polícia sobre sua aparente despreocupação em ser identificado nas filmagens de segurança. Sua explicação foi bastante curiosa: seus amigos o haviam ensinado a escrever letras invisíveis em um papel usando suco de limão, levando-o à ideia de invisibilizar o próprio rosto com limonada.

Wheeler chegou a testar seu método antes de tentar o assalto. Ao fotografar-se com o rosto coberto de suco de limão, ele pôde comprovar que sua imagem aparecia, de fato, irreconhecível. Conforme conta-se, Wheeler havia focado no teto, ao tirar a foto, resultando em uma imagem desfocada de si mesmo.

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O caso de Wheeler, é claro, foi apenas a inspiração para os estudos em psicologia social realizados por Dunning e Kruger. Sua hipótese inicial, porém, foi comprovada com base em diversos experimentos envolvendo as habilidades das pessoas em comparação à autoavaliação que faziam de suas capacidades. Notou-se que os mais ineptos em uma determinada habilidade ou expertise eram os que se julgavam mais capazes, e os mais aptos tendiam a subestimar-se.

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As razões para este fenômeno ainda não estão claras. Sabe-se que as pessoas buscam, instintivamente, estabelecer uma narrativa coerente da realidade, para poderem guiar suas ações. Ao mesmo tempo, a busca pela compreensão da realidade pode ser exaustiva (pois é virtualmente infinita), e tendemos a apressar nossas conclusões para poupar tempo e esforço. É confortável acreditar que se tem as respostas. Assim, tendemos a agir como um juiz apressado que quer decidir se o réu é inocente ou culpado com base no menor número possível de evidências, sacrificando um julgamento qualificado que contemple todos os dados disponíveis. Ao mesmo tempo, convencemo-nos de que esse julgamento apressado será justo e correto, porque é o que desejamos que ocorra (wishful thinking). Some-se a isso o poder avassalador dos preconceitos pessoais e da pressão por conformação ideológica às ideias dominantes nos círculos sociais.

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Como diria o comediante George Burns: "É uma pena que todas as pessoas que sabem como governar o país estejam ocupadas dirigindo táxis ou cortando cabelo".Jovens universitários sabem como erradicar a pobreza no mundo, adolescentes sabem como controlar o clima do planeta, leigos sabem qual medicamento deve ser receitado em pandemias.

Talvez a maneira mais eficiente de não cair neste erro é estar ciente dessa nossa tendência e, aceitando-a, tentar manter o ceticismo, a honestidade intelectual, a humildade e a curiosidade:

  • Com o ceticismo, tendemos a filtrar e a testar informações, exigindo sempre boas razões para qualquer crença. Além disso, o verdadeiro cético é o que é cético também em relação a si mesmo, pois ele conhece as artimanhas da mente humana.
  • Com a honestidade intelectual, reduzimos a ação negativa de nossos preconceitos sobre nossas ideias. Buscamos neutralizar nosso ego, para que ele não ofusque nossa percepção da realidade.
  • Com a humildade franca, incorporamos a noção de nossas limitações. Não se trata, aqui, de uma virtude a ser exibida publicamente (o que muitas vezes é uma forma de encenação): trata-se da humildade psicológica, interna, que se opõe ao narcisismo e à crença na própria superioridade.
  • Com a curiosidade, possibilitamos a detecção e absorção de novos conhecimentos, mesmo aqueles que possam desfazer nossas crenças atuais. Há vários tipos de motivação para a aquisição de conhecimento, mas a curiosidade parece ser a mais genuína, e menos parcial.

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Mas, apesar de constituírem bons conselhos, estas práticas acabam relevando outro paradoxo: pessoas com mais certezas e com respostas prontas para tudo tendem a ser mais proativas, e tendem a angariar muito mais apoiadores e seguidores. Elas geram, como consequência, um maior número de ações descabidas e irracionais, e o maior capital político de que dispõem potencializa sua influência. Especialmente em momentos de polarização ideológica e de insegurança, são estes discursos cheios de certezas e de respostas absolutas os mais populares, e os mais influentes. O efeito Dunning-Kruger, assim, parece ser um dos fenômenos-base das sociedades humanas.

O problema principal com o mundo é que os tolos e os fanáticos estão sempre tão cheios de certeza, e os sábios tão cheios de dúvidas. - Bertrand Russell


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Paulo Nunes

Escritor, editor, ilustrador e pesquisador



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