Relacionamentos amorosos nunca foram fáceis. Desde sempre, houve muito do que reclamar. Nas últimas duas décadas, porém, os níveis de insatisfação, frustração e desilusão com a vida amorosa (e com a sexual) parecem ter crescido vertiginosamente — tanto para homens como para mulheres. Afinal, o que está acontecendo?
1. A ilusão das opções infinitas
Somos, hoje, 8 bilhões de habitantes neste planetinha Terra. Talvez você não cogite casar com um chinês ou um indiano, o que já corta boa parte deste número de possíveis parceiros — mas ainda assim, a quantidade de opções é extraordinária. E apesar de isso ser bom, por um lado, é também uma catástrofe.
Estamos vivendo algo absolutamente inédito na história humana. Na pré-história, por centenas de milhares de anos, homens e mulheres viviam em sociedades de aproximadamente 500 pessoas, e suas opções de parceiros estavam limitadas a este número. Com o florescer das civilizações, o limite passou a ser geográfico: até o século passado, as relações formavam-se dentro de círculos sociais, via amigos, contatos de trabalho, de estudo, de grupos religiosos, etc. As opções possíveis eram as pessoas geograficamente próximas e com algum elo social em comum. Com a conectividade permitida hoje pela internet, entretanto, os limites quase desapareceram.
Isso, claro, faz as pessoas sonharem. Enquanto, no passado, homens e mulheres buscavam conquistar o parceiro mais atrativo dentro de sua rede de contatos (ou, às vezes, em bares ou clubes), hoje já se pode almejar uma relação Casava-se com o vizinho da rua de baixo — a vida era isso. com o homem ou mulher mais atrativo da cidade inteira, por meio de algum aplicativo de namoro. E Pedrinho já não compete apenas com seus colegas e vizinhos por uma namorada; ele precisa competir com milionários sarados com uma mansão e um iate.
Com Tinder, Badoo, Bumble, OkCupid, Happn, entre outros, as opções de parceiros são virtualmente infinitas. E digo "virtualmente" porque, é claro, o número é sempre limitado, ainda mais dependendo da região; mas considerando o tempo necessário para arranjar cada encontro, em geral é impossível aproveitar todas as opções possíveis.
Eis, então, o primeiro problema: quando as possibilidades são ilimitadas, haverá sempre o receio de que a pessoa escolhida não era a melhor opção. Quem sabe o outro match não seria um melhor parceiro? "Será que eu não estou desperdiçando meu tempo e minha vida com esta pessoa, quando uma outra poderia me fazer mais feliz?" E a tentação está sempre ali, na palma da mão.
Como consequência, torna-se mais comum um fenômeno apelidado de monkey brunching, referindo-se à ação dos macacos de se segurarem em um galho firme para poderem alcançar um mais alto — o que parece ser a estratégia de muitas pessoas (homens e mulheres), que mantêm um relacionamento indesejável apenas para não ficarem sozinhas até acharem o substituto. Outro termo usado é hipergamia, isto é, relacionar-se com indivíduos de status mais elevado, ou o desejo de fazê-lo.
Em épocas passadas, a sociedade tendia a incutir, muito mais do que a nossa, uma ideia de conformismo em relação ao destino pessoal. É como alguém que quer ter uma planta, mas a molha apenas uma vez a cada duas semanas, esquecendo-se com frequência de cuidá-la ou adubá-la. Ao perceber que a planta está feia e fraca, decide trocá-la por outra, pois sabe que há opções mais vistosas no mercado. Casava-se com o vizinho da rua de baixo — a vida era isso. As pessoas sabiam que almejar um relacionamento com uma top model, um ator ou atriz de cinema ou um bilionário era uma esperança irrealista, e fadada ao fracasso, para a maior parte da população. As expectativas estavam mais próximas da realidade atingível.
O excesso de conformismo, porém, levou as novas gerações a uma atitude inversa: o fenômeno de autoafirmação irrestrita e frequentemente ilusória do "você pode", "você merece". Apesar do lado positivo dessa postura (isto é, proporcionar ao indivíduo maiores chances de alcançar seu potencial e satisfazer seus desejos, transcendendo as limitações do ambiente e da sociedade), o lado negativo cobra seu preço: o narcisismo, o egocentrismo, o egoísmo, e todo o sofrimento que deriva das desilusões frente à dureza da realidade.
E a possibilidade de substituição do parceiro, devido à vastidão de alternativas, é uma pulga atrás da orelha que pode diminuir o comprometimento do indivíduo com seu par. Isso, obviamente, tende a sabotar a relação. A opção de saltar do navio ao primeiro problema sério é muito tentadora — o que leva a pessoa a investir menos no relacionamento, já antecipando a possibilidade da fuga.
Nesses casos, a confiança interna do casal tende a ser baixa. Pressente-se, pelos humores e indiretas, a ameaça constante do término. E temendo que os problemas que surgem causem o rompimento, o indivíduo pode vir a calar-se sobre questões importantes, sofrendo em silêncio para evitar que um diálogo necessário, mas desconfortável, possa levar o parceiro a desistir da relação.
E tudo isso, ao tornar o relacionamento menos satisfatório, raso e desconexo, só aumenta as chances do término.
É como alguém que quer ter uma planta, mas a molha apenas uma vez a cada duas semanas, esquecendo-se com frequência de cuidá-la ou adubá-la. Ao perceber que E o privilégio tem sexo também: segundo dados divulgados pelo Tinder, enquanto homens deram like em 61,9% dos perfis de mulheres exibidos no aplicativo, as mulheres deram like em apenas 4,5% dos perfis de homens. a planta está feia e fraca, decide trocá-la por outra, pois sabe que há opções mais vistosas no mercado. Essa atitude, replicada por toda a sociedade, funciona como uma fábrica de pessoas frustradas (e frustrantes).
Não é nova essa comparação entre esses relacionamentos descartáveis e a cultura consumista. Bauman teve a graça de chamar o fenômeno de relacionamentos líquidos, o que, infelizmente, concedeu certo ar de sofisticação e normalidade a uma tendência nociva — uma crise nas relações humanas, marcada por altos índices de depressão, uniões fracassados, solidão, neuroses e outros transtornos mentais, dependência química, dentre tantas outras consequências.
Boa parte do prazer em um relacionamento provém da satisfação de merecê-lo. Em uma relação em que nenhuma das partes se esforça, em que ninguém investe ou se dedica, conclui-se que ambos só estão juntos por comodismo ou falta de opção. O que não se conquista com mérito tende a não ter valor para nós — é como nossa psicologia funciona. Assim, quanto maior for o comprometimento com o projeto de vida do casal (que precisa vir de ambas as partes), maior será, de uma forma geral, sua satisfação com o relacionamento.
Agora, uma correção é necessária: as opções ilimitadas não são uma realidade para todos. O grupo que mais desfruta desse privilégio, por óbvio, são as pessoas atraentes, em especial as jovens. E o privilégio tem sexo também: segundo dados divulgados pelo Tinder, enquanto homens deram like em 61,9% dos perfis de mulheres exibidos no aplicativo, as mulheres deram like em apenas 4,5% dos perfis de homens.
A diferença é brutal. Mas a razão é simples: na ausência de outros traços para julgar os homens, as mulheres focam na aparência, e são altamente seletivas, escolhendo somente perfis que poderiam ser de modelos ou atores de cinema (os chads). Já os homens estão muito mais abertos para mulheres de beleza mediana. Isso, porém, não lhes garante nenhum interesse em retorno. Assim, a abundância de opções restringe-se às mulheres de beleza mediana ou superior e aos homens pertencentes aos 80% mais atraentes (pelo menos no ambiente on-line).
80% dos homens menos desejáveis (em termos de atratividade) estão competindo por 22% das mulheres menos desejáveis e 78% das mulheres mais desejáveis estão competindo por 20% dos homens mais desejáveis (Worst-Online-Dater).
Para a maior parte dos homens, portanto, a infinidade de parceiras potenciais exibidas nos aplicativos de namoro é uma ilusão. Muitos não obtêm nenhum match, mesmo estando dispostos a aceitar uma ampla variedade de mulheres.
Já para as mulheres, o problema é outro. Como 78% delas estão disputando 20% dos homens, elas obviamente estão dividindo estes parceiros entre si. E apesar de que estes homens se relacionam com número impressionante de mulheres, apenas algumas poucas serão as escolhidas. As demais, em geral, irão se sentir usadas, e desiludidas; após se convencerem de que são capazes de atrair homens do mais alto nível (embora apenas para relações casuais), dificilmente irão se satisfazer com parceiros de menor status. Eis uma receita para eterna infelicidade: não aceitar menos do que aquilo que, no fundo, não está ao alcance.
E este é o estado do circo: nos EUA, por exemplo, "o número de jovens de 18 a 29 anos que relataram não ter feito sexo por mais de um ano mais que dobrou na última década" (dados publicados em 2019). Muitos deles permanecem virgens, e outros tantos, inteiramente incapazes de viver uma relação amorosa, passam a integrar a comunidade dos incels (involuntary celibates, "celibatários involuntários") ou dos MGTOW (men going their own way, "homens seguindo seu próprio caminho"). Esta, é claro, não é a realidade para todos, mas a tendência é crescente e preocupante.
E para as mulheres, resta a difícil decisão de escolher um parceiro, ou brincar de carrossel até que a idade já não lhe permita atrair parceiros aceitáveis. O perigo é que, a essa altura, já seja tarde demais para assegurar um relacionamento duradouro e de qualidade.
2. Rivalidade ideológica entre os sexos
Desde tempos imemoráveis, homens têm reclamado de mulheres, e mulheres têm reclamado de homens. Em se tratando de heterossexuais, o fato é que, por razões biopsicológicas, os sexos não conseguem viver um sem o outro — mas, ao mesmo tempo, as diferenças entre o feminino e o masculino costumam gerar uma infinidade de conflitos interpessoais. Nada mais natural. Mas será que esses atritos têm piorado?
Sim, sem dúvida. E esta problemática é de responsabilidade quase exclusiva do feminismo contemporâneo.
Hoje, há uma tendência generalizada entre mulheres, geralmente feministas ou simpatizantes, de enxergar as relações entre homens e mulheres como uma espécie de disputa. Com a adoção dessa mentalidade belicosa, os sexos passam a se relacionar tendo como pano de fundo o conflito de gênero. O indivíduo, assim, é tratado como membro de um coletivo imaginário, seja o patriarcado opressor, seja a comunidade de mulheres vitimadas. A partir dessa narrativa ideológica, mulheres feministas ou simpatizantes são levadas a travar batalhas em seus relacionamentos com homens: Há, por exemplo, inúmeros comportamentos denunciados como sexistas que, quando praticados por uma mulher, são de todo aceitáveis, senão encorajados e celebrados. parceiros, pais, filhos, amigos, colegas. As ações e o caráter de cada indivíduo já não importam tanto: atribui-se à pessoa os atributos do coletivo, de acordo com a crença ideológica. Nesses casos, a pessoa ideologizada já não vê o parceiro como indivíduo, mas como uma marionete do coletivo a que é associado.
O resultado disso não pode ser outro senão relações tóxicas, absolutamente patológicas. A culpa e o ressentimento, transferidos do imaginário ideológico para um indivíduo específico, arruínam qualquer possibilidade de um relacionamento saudável. E todo mal feito ao parceiro pode ser encarado como uma forma de justiça social — uma reparação histórica —, isentando quem o pratica.
Como consequência dessa mentalidade, certas mulheres têm o costume de enxergar machismo em qualquer inconveniência que encontrem, esvaziando o termo de seu significado original. Há, por exemplo, inúmeros comportamentos denunciados como sexistas que, quando praticados por uma mulher, são de todo aceitáveis, senão encorajados e celebrados. Enquanto criticar, debochar ou humilhar homens são práticas normalizadas (e cada vez mais frequentes, como se vê nas redes sociais), estas mesmas ações são consideradas abominações intoleráveis quando direcionadas a uma mulher.
O resultado dessa proteção infantilizadora do ego feminino, em contraste com as tentativas de desconstrução da masculinidade (denominada de "tóxica" — veja os exemplos abaixo), têm gerado crescente ressentimento entre homens e, de forma geral, uma sociedade mais conflituosa, instável e hostil.
Diretamente relacionadas com esse fenômeno são as atitudes de autovitimização, bem conhecidas na área da psicologia. Segundo a psicóloga Izadora de Freitas Salvador, a autovitimização "é a capacidade do indivíduo de se colocar no papel de vítima ou de pessoa perseguida para assim conseguir anular críticas, opiniões ou objeções contra as quais não consegue argumentar".
E prossegue:
Estão sempre colocando a "culpa" de seus problemas no mundo externo. A "vítima" confunde ideias com sentimentos, ideologias com pessoas, e no fundo revela a falta de capacidade em admitir que simplesmente pode estar errada. ... Algumas das principais características desses autovitimizadores podem ser traduzidas no seguinte: Manipuladores pela chantagem emocional; Acreditam que necessitam ser perseguido(a)s ou "salvo(a)s"; ... Se alimentam de culpa; Sabotam esforços de ajuda, se colocando em dependência; Se ressentem desta dependência.
Sem dúvida, a autovitimização, assim como o sexismo, tem sido praticada por homens e mulheres desde os primórdios — visto serem reflexos comuns da psique humana e das interações sociais. O que é particular de nossa época é a aceitação generalizada desses comportamentos quando provenientes de mulheres, e a normalização das hostilidades interpessoais e culturais baseadas no feminismo.
Para a jornalista Cathy Young, do The Washington Post, "as coisas chegaram a tal ponto que ataques casuais e de baixo nível contra homens tornaram-se um ruído constante na mídia on-line progressista do momento". Comentando sobre a misandria (ódio, desprezo ou preconceito contra homens), Young reflete sobre o número de palavras criadas recentemente com o intuito de criticar o sexo masculino:
Considere, por exemplo, o número de neologismos que usam "man" como prefixo depreciativo e que entraram na linguagem cotidiana da mídia: "mansplaining", "manspreading" e "manterrupting". Seriam estes comportamentos predominantemente masculinos, a ponto de justificar essa especificação de gênero?
Não necessariamente: o estudo mais citado como evidência de interrupção masculina excessiva de mulheres ("manterrupting") na verdade descobriu que a interrupção mais frequente é feminina ("femterrupting"?).
Sentar com as pernas afastadas pode ser coisa de homem, mas há boa documentação visual de mulheres ocupando espaço extra nos transportes públicos com bolsas, sacolas de compras e pés nos assentos.
Talvez zombar e repreender os homens não seja a maneira de mostrar que a revolução feminista é sobre igualdade.
Infelizmente, em resposta ao número crescente de mulheres com este perfil (que confundem empoderamento com belicosidade, arrogância, narcisismo e intolerância), muitos homens têm se adaptado a esses traços de caráter e passado a agir, também, como canalhas.
Multiplicam-se, assim, os relacionamentos disfuncionais e abusivos; as mulheres sentem-se usadas, e passam também a usar os homens. Indivíduos procuram relações apenas para extrair, evitando se doarem em retorno. A desconfiança é constante. No final, nenhum dos sexos sai ganhando.
3. Erosão da masculinidade e da feminilidade
A polaridade entre o masculino e o feminino é conhecida por praticamente todas as culturas, tendo sido celebrada como parte integral da experiência humana desde a aurora das civilizações. Autores como Carl Jung e Joseph Campbell, partindo das teorias psicanalíticas de Freud, identificaram em seus trabalhos a universalidade dos traços arquetípicos atribuídos ao homem e à mulher — quase unânimes entre todos os povos e em todas as épocas.
Na biologia, tal fenômeno é entendido como reflexo do dimorfismo das espécies (isto é, as características marcadamente distintas entre o macho e a fêmea). As diferenças entre os sexos, porém, não se limitam à forma corporal: embora a masculinidade e a feminilidade sejam frequentemente representadas pelas diferenças físicas entre homem e mulher, em sua essência são atributos da personalidade e do comportamento.
Entre as correntes ideológicas progressistas, entretanto, observa-se um estranho antagonismo à natureza humana: a realidade psicobiológica A ideia de construção social tem servido de base para a chamada desconstrução da masculinidade e da feminilidade arquetípicas. Sob essa perspectiva, a mente humana é uma tábula rasa, vazia no instante do nascimento, e inteiramente adaptável a toda e qualquer modelagem social. é vista como uma prisão da qual o indivíduo precisa se libertar, como se as leis da natureza (e as características inatas dos organismos vivos) oprimissem o ser humano.
No meio científico, não há a menor dúvida de que para muitos padrões biológicos existem exceções. Nem todo indivíduo será heterossexual; nem todo heterossexual se alinhará inteiramente com os traços arquetípicos de seu sexo; e assim por diante. Também não há dúvida de que existe considerável influência social sobre a psicologia humana, podendo os modelos de masculinidade e feminilidade sofrer certas transformações de acordo com a cultura.
O erro interpretativo das ideologias progressistas é julgar que tudo, ou quase tudo, na polaridade dos sexos é uma construção social.
Expandida das universidades para a educação básica e para a cultura popular, a ideia de construção social tem servido de base para a chamada desconstrução da masculinidade e da feminilidade arquetípicas. Sob essa perspectiva, a mente humana é uma tábula rasa, vazia no instante do nascimento, e inteiramente adaptável a toda e qualquer modelagem social.
As consequências dessa abordagem, contudo, têm se mostrado desastrosas para a psique humana, assim como para os relacionamentos e as relações sociais em geral.
Isso não deveria causar surpresa. A divisão dos membros de uma espécie nos polos masculino e feminino é uma característica crucial das dinâmicas sociais e sexuais. Essa orientação pré-programada garante a complementariedade das ações dos membros de uma espécie (machos e fêmeas) para a propagação dos genes, e essas diferenças sexuais estão presentes tanto do corpo quando na mente.
Agir de forma masculina ou feminina pode significar ações diferentes dependendo da espécie, mas essas atitudes são primariamente programadas pelos genes. Em indivíduos mais complexos, como os seres humanos, A maior parte do que perseguimos na vida, para nossa realização e satisfação, são determinações psicobiológicas, resultado de milhões de anos de evolução. a programação instintiva pode em certa medida ser alterada ou mesmo rejeitada através da cultura ou de condicionamento social; mas a rejeição do instinto e da psique arquetípica tem um preço, muitas vezes levando a pessoa ao adoecimento mental.
Em suma, o ser humano não escolhe o que o faz feliz. O ser humano não escolhe se será heterossexual ou homossexual, se sentirá prazer ao se alimentar, se apreciará o afeto de outras pessoas. A maior parte do que perseguimos na vida, para nossa realização e satisfação, são determinações psicobiológicas, resultado de milhões de anos de evolução. São imperativos psicológicos que não podem ser alterados por condicionamento social.
Assim, a realização pessoal só é possível quando o ser humano sente-se centrado em sua natureza — isto é, quando não há fracionamento psíquico.
A maior parte dos homens, por exemplo, tenderá a se sentir mais confortável, e com maior autoestima, ao adotar atitudes e valores da masculinidade arquetípica. Valores associados ao masculino, como bravura, autossuficiência, fortitude, têm sido criticados e menosprezados por homens que adotam uma "masculinidade alternativa". Mas estes mesmos homens admiram estes traços quando os enxergam em mulheres. É difícil crer que o "homem alternativo" de fato admire homens covardes, dependentes e frágeis (o contrário dos valores mencionados). Ao rejeitarem as atitudes e valores propriamente masculinos, é pouco provável que se sentirão satisfeitos consigo mesmos, como homens, e é pouco provável que serão bons parceiros em seus relacionamentos com mulheres.
Nas relações heterossexuais, é notável que cada sexo tende a procurar no outro aquilo que não tem em si (de forma desenvolvida). É a feminilidade que atrai o homem heterossexual, e é a masculinidade que atrai a mulher heterossexual. Até mesmo entre indivíduos gays, nota-se, em muitos casos, certo arranjo com as polaridades masculina e feminina se complementando; muitas vezes, há um indivíduo com atitudes e/ou aparência mais masculina, e outro com atitudes e/ou aparência mais feminina.
E se você ainda não notou a tendência contemporânea à desconstrução dos padrões masculinos e femininos, está na hora de começar a prestar atenção. Está em toda parte.
A feminilidade dita tradicional é denunciada como "conservadora", como uma submissão aos homens, uma docilidade abjeta, e os traços valorizados em mulheres passam a ser precisamente os traços masculinos; estes mesmos traços, no entanto, são considerados tóxicos nos homens, que são incentivados a serem mais sensíveis, vulneráveis e femininos.
No fundo, porém, as mulheres desprezam o homem frágil, pois não é isso que procuram em um parceiro, nem é isso que as estimula sexualmente. E os homens também tendem a rejeitar mulheres masculinizadas, muitas vezes devido à sua belicosidade nos relacionamentos.
Pouca gente tem problemas em reconhecer que a sexualidade está profundamente enraizada no indivíduo, e que não pode ser alterada socialmente. Sabe-se, por exemplo, que campos de "conversão gay" não funcionam, e que seu único resultado observável é causar sofrimento aos indivíduos. Por que, então, ideologias contemporâneas têm insistido em tentar desconstruir as bases instintivas da masculinidade e da feminilidade, fatores cruciais para uma vida humana saudável?
4. Descompasso nos planos para a vida
Antigamente (e como todo mundo sabe), o destino mais comum de todo indivíduo era casar e ter filhos. O divórcio e a solteirice vitalícia eram exceções. No caso feminino, era predominante o temor de "ficar para titia" — algo embaraçoso, dada a impressão de que, nesses casos, a mulher havia sido rejeitada por todos os possíveis pretendentes, e que falhou em constituir família.
Mas isso era antigamente. Hoje as expectativas da família e da sociedade tendem a ser ignoradas, ou intencionalmente contrariadas, em favor de uma liberdade individual sem precedentes. E o empoderamento do indivíduo, é claro, é algo positivo. Entretanto, essa liberdade acaba multiplicando as opções de vida; e sem os moldes Se as mulheres mais velhas têm falhado em instruir as mais jovens, também as mais jovens parecem não querer escutar. Assim, o privilégio de ser uma mulher jovem e bonita só é percebido quando começa a desaparecer. sociais tradicionais, que, corretos ou incorretos, serviam de guia, muitos passam a se sentir confusos e perdidos. "O que devo fazer de mim mesmo?"
Para o bem ou para o mal, a pressão familiar e social para o casamento levava as pessoas a resolverem este aspecto da vida bastante cedo (geralmente antes dos trinta), servindo esta união como base para amparar as próximas fases da vida. Para além do romance, do amor e do companheirismo, o casamento tem funções bastante práticas para a vida adulta. O romantismo irrealista dos filmes, séries e novelas, porém, parece ter alterado as expectativas das pessoas, levando-as a idealizar uma forma de relacionamento inalcançável ou insustentável.
Hoje, é comum que jovens evitem o casamento (e principalmente ter filhos) mesmo após encontrarem um par que julgam ideal. Há uma pressão psicológica para aproveitar a vida ao máximo, o que às vezes significa, no campo dos relacionamentos, trocar periodicamente de parceiro. Os laços precisam ser mantidos superficiais o suficiente para permitir a quebra do relacionamento, na hora da troca — que às vezes já é planejada desde o início da relação, faltando apenas decidir-se quando e com quem.
É compreensível: homens querem ganhar experiência e fortificar sua autoestima ao confirmarem que são capazes de seduzir e conquistar um bom número de parceiras. Estabelecer a monogamia muito cedo pode comprometer esse desejo. Para as mulheres, a motivação é semelhante, embora mais voltada para a degustação de experiências diferentes. Há não muito tempo, essas práticas ocorriam principalmente na adolescência e nos primeiros anos da vida adulta, em uma fase experimental em que as pessoas ganhavam experiência amorosa. Hoje, essa fase pode se estender por toda a vida, sendo limitada apenas pela capacidade do indivíduo de atrair parceiros (que diminui com o envelhecimento).
Como resultado, muitos chegam aos trinta com uma alta contagem de relacionamentos e, consequentemente, com uma infinidade de términos, dramas e decepções. Em geral, já estão bastante desgastados devido à sequência de frustrações amorosas, cínicos em relação ao amor e desconfortavelmente pragmáticos e utilitaristas na escolha de parceiros.
Um dos fenômenos mais comuns (e trágicos) relacionados à constante troca de parceiros é a chamada "parede" (the wall), contra a qual as mulheres muitas vezes dão de cara ao chegarem aos trinta. É quando muitas percebem-se no limite de seu período fértil e com sua atratividade em acelerado declínio. Não raro veem-se em desespero, As chances de uma união acabar em divórcio são cada vez maiores, tornando o investimento pessoal (afetivo, financeiro, de tempo) muito menos compensatório. e frequentemente deprimidas, ao compreenderem que suas chances de arranjar um bom relacionamento estão prestes a acabar.
A surpresa é particularmente dolorosa para as mulheres que nunca foram informadas sobre essa realidade dos ciclos da vida feminina. Se as mulheres mais velhas têm falhado em instruir as mais jovens, também as mais jovens parecem não querer escutar. Assim, o privilégio de ser uma mulher jovem e bonita só é percebido quando começa a desaparecer. É comum que essas mulheres relatem que "se sentem invisíveis", ao não mais receberem atenção masculina, nem sorrisos e elogios diários.
Mulheres nessa situação comumente passam a agir com desespero no plano amoroso. Isso não apenas afasta alguns homens, como também prejudica o bom julgamento da mulher, que, afoita, pode fazer escolhas impensadas ou arruinar suas chances com bons candidatos, ao apressar o desenvolvimento da relação ou exigir demais antes da hora.
Já da parte dos homens, é cada vez mais comum ouvir-se que casar é uma péssima ideia. Tem-se dito que homens evitam o casamento porque temem o compromisso e "não querem crescer", mas pelo que se observa de seus depoimentos, a principal preocupação masculina tem sido os altos índices de divórcio, geralmente iniciado pelas mulheres, e as consequências legais desses divórcios: a apropriação de renda pela parceira e a alienação parental.
As chances de uma união acabar em divórcio são cada vez maiores, tornando o investimento pessoal (afetivo, financeiro, de tempo) muito menos compensatório. É doloroso para os homens serem afastados de seus filhos, e dadas as chances de isso ocorrer em sequência ao divórcio (mais de 87%), a parentalidade também se torna cada vez menos atrativa para os homens.
E não para por aí. Até mesmo o namoro, tratado legalmente como união estável, pode levar à pilhagem dos bens de um indivíduo em favor do outro, bastando que o ex-parceiro menos abastado deseje acionar a força do Estado para apropriar-se dos bens alheios (a que não deveria ter qualquer direito, na ausência de um contrato de divisão de bens). Nestes casos, a Justiça dá cobertura ética e legal ao ladrão (o ex-parceiro expropriador).
E mesmo no caso de relações mais superficiais, como encontros de uma noite, ou sexo casual, há o perigo das acusações falsas de abuso ou estupro. Na verdade, esse perigo existe até em relações de trabalho. Dada a resposta brutal do Estado e da sociedade a esses crimes (assédio e violação sexual), a mera alegação pode (e frequentemente consegue) arruinar a vida de um homem inocente — não sendo difícil imaginar que mulheres de péssimo caráter, vingativas, ciumentas ou à procura de atenção pública e simpatia, possam se aproveitar disso por meio de testemunhos falsos.
Esse fenômeno intensificou-se especialmente a partir de 2017, com a popularização do movimento #MeToo. Embora a iniciativa busque promover a justa denúncia e punição de assédios contra mulheres, uma de suas posturas foi alvo de polêmicas desde o início: a noção de que a acusação feminina deva sempre ser tomada como verdadeira. Essa ilusão de que mulheres nunca (ou raramente) abusariam da confiança da Justiça, porém, foi despedaçada com a transmissão ao vivo do julgamento de Johnny Depp vs. Amber Heard. Amber, ex-esposa de Depp, o havia acusado e processado por violência doméstica, fato posteriormente provado como falso. O que, para muitos, sempre foi óbvio tornara-se mais claro para parte mais ampla da população: mau-caratismo não tem sexo.
E para se ter uma ideia de o quanto as injustiças ainda podem piorar, foi aprovada na Espanha, em 2022, uma lei que anula o princípio de inocência em casos de acusação de estupro. A acusação da mulher é tomada como verdade incontestável. Sem brincadeira: para haver consentimento, a mulher deve assinar um termo em que aceita a "penetração". Caso contrário, poderá alegar estupro após um ato sexual consentido, situação em que o homem será preso sumariamente. Eis a igualdade feminista chegando ao poder.
Já para as mulheres sem uma carreira sólida, o casamento oferece um risco específico: o divórcio iniciado pelo marido, que a deixará sem recursos para se manter. A mulher que se dedica aos cuidados do lar fica especialmente vulnerável a essa situação, ainda mais após certa idade; isso tende a colocá-la à mercê do marido, devido à dependência financeira. E como a confiança entre os sexos anda bastante baixa, a ideia de entregar toda a responsabilidade de sustento ao parceiro pode parecer arriscada demais.
Assim, para quem não quer passar a última metade de sua vida sozinho, velho demais para arranjar um companheiro ou ter filhos, e vivendo abandonado em algum asilo ou apartamento tomado por gatos, o alinhamento dos planos de vida (e dos valores em comum) é uma prioridade desde cedo.
E, infelizmente, não anda nada fácil.