Trecho de O lado sombrio dos contos de fadas: as origens sangrentas das histórias infantis, de Karin Hueck (Superinteressante/Abril).
Era uma vez uma menina que trabalhava em uma pequena loja na região da Galícia austríaca, um pedaço de terra onde hoje fica a Ucrânia.
Certo dia do inverno de 1849, ela recebeu uma tarefa do dono da mercearia: levar uma encomenda de comida para um cliente. A casa dele não era longe, ficava um pouco afastada do vilarejo, no meio de uma pequena, mas densa, floresta. Fazia frio, havia nevado, e ela tratou de apertar bem o gorro de lã na cabeça. Saiu com o pacote ainda durante o dia, mas não voltou até o anoitecer. Logo deram pela falta dela. Ao final da tarde, o dono da venda começou a ficar preocupado e partiu à procura da sua empregada com a ajuda de alguns vizinhos. Entraram na floresta, que àquela altura já estava completamente coberta de neve, e tiveram a sorte de ainda reconhecer as pegadas da jovem. Perceberam, então, que ela havia se afastado da trilha principal, provavelmente distraída com algo que avistara durante o caminho. O inverno daquele ano estava especialmente perigoso: várias pessoas já haviam sido atacadas por lobos nos últimos meses, e todo mundo sabia disso. Infelizmente, depois de algum tempo, os rastros da menina ficaram cada vez mais difíceis de serem reconhecidos, e o dono do armazém desistiu da busca. Ela nunca mais foi vista. E sua morte acabou caindo na conta dos lobos maus da floresta.
Mas pode não ter sido o lobo mau.
Dias depois, na mesma província, o dono da hospedaria percebeu que alguns de seus patos haviam desaparecido. A suspeita logo caiu sobre o mendigo do vilarejo, um homem que sustentava a mulher e os dois filhos com o dinheiro que recebia de esmolas. Como vivia importunando as pessoas com seus pedidos, ele era malvisto. Todos suspeitavam do maltrapilho.
O dono da hospedaria resolveu investigar por conta própria o sumiço das aves e teve certeza de que o mendigo estava Você também pode gostar: Leia o Conto Original: Chapeuzinho Vermelho envolvido no crime quando sentiu um forte cheiro de churrasco saindo da casa dele. Quando invadiu a choupana para pegar o bandido com a boca na botija, ou melhor, na coxa de pato, viu uma cena aterrorizante: o corpo de uma menina de cerca de 14 anos sendo assado no fogão, com as vísceras cuidadosamente separadas do resto. E lá estava o mendigo, esperando o assado ficar pronto. Diante do flagrante, ele foi preso e confessou ter matado outras seis pessoas, embora buscas na casa dele tenham revelado restos de roupas — casacos e chapeuzinhos, por acaso — de no mínimo 14 pessoas.
O gosto pela carne humana ele teria adquirido em outra ocasião, ao entrar por acaso em uma casa destruída por um incêndio que matou também seu morador. Esfomeado, pois fazia dias que não comia nada, assim que entrou na residência não teve dúvida em se servir do corpo chamuscado. Não achou o resultado de todo ruim, e assim não hesitou em repetir o petisco no futuro.
O mendigo foi para a prisão e estava pronto para ir a julgamento, mas acabou se enforcando na cadeia. Até hoje não se sabe se a menina que desapareceu na floresta era uma de suas vítimas.
Não, a história acima não é a origem real do conto Chapeuzinho Vermelho. Em 1849, as versões mais conhecidas da menina de gorro vermelho — a do francês Charles Perrault e a dosirmãos Wilhelm e Jacob Grimm — já haviam sido publicadas Chapeuzinho acaba devorada pelo vilão, e a culpa pela tragédia é da própria menina: quem mandou ficar de conversinha com um lobo mau? Isso explica o final cruel. e circulavam o mundo em forma de conto de fada. Esse relato da Galícia, na verdade, é histórico, faz parte de O Livro dos Lobisomens, uma obra escrita ainda no século 19, que reúne casos de ataques de lobos e de pessoas que pensavam ser lobisomens. Publicado em 1865 por Sabine Baring-Gould, um pastor anglicano inglês, o livro é um apanhado de acontecimentos coletados em suas viagens pela Europa, um mais assustador e inacreditável que o outro.
Não dá para saber se todos os casos são verdadeiros; afinal, o autor os recolheu da boca do povo para escrever o livro. Ou seja, sabe-se lá se a história da menina do armazém aconteceu daquele jeito mesmo. Mas a quantidade de registros de ataques de lobisomens que ele conseguiu coletar não deixa dúvida sobre um assunto: no final do século 19, a população europeia ainda acreditava que pessoas pudessem se transformar em lobos e atacar inocentes menininhas.
Mesmo que os casos não fossem reais, a crença existia. O livro de Baring-Gould mostra que o medo de um ataque de lobos era real na Europa daquela época. É essa fantasia popular que pode ter dado origem à história que você leu quando criança. Nunca houve um lobo específico que comeu uma menina específica que usava um chapéu vermelho específico: deve ter havido muitos casos parecidos com esse — ou pelo menos ouvia-se falar em casos assim.
Mas, antes de falar sobre meninas e lobos da vida real, voltemos aos contos de fadas.
A Chapeuzinho Ancestral
Primeiro, é bom esclarecer algumas coisas. Não existe apenas uma variante de Chapeuzinho Vermelho. Há versões do conto que tiveram origem na Itália, na Polônia, na França, na Alemanha e na Áustria.
Provavelmente, você conhece o Chapeuzinho Vermelho anotado pelos irmãos Grimm. Talvez você também já tenha ouvido falar na versão de Charles Perrault. De qualquer forma, o começo de todas é sempre muito parecido: a mãe pede à filha que leve comida e bebida para a vovozinha que está doente na casa dela, na floresta. No meio do caminho, já dentro do bosque, a menina se distrai — ou sai da trilha para colher flores ou dá ouvidos a um lobo que lhe pergunta aonde ela vai. Inocente que só, Chapeuzinho passa as instruções exatas para a casa da avó, onde a pobre velhinha acaba devorada pelo lobo mau. É a partir daí que as histórias começam a mudar de acordo com cada versão. Os finais são ainda mais diversos, e importantes, para entender a transformação do conto.
Comecemos pela versão de Jacob e Wilhelm Grimm.
Chapeuzinho entra na casa da avó e encontra o lobo vestido com as roupas da velhinha. É aí que começa o interrogatório mais famoso dos contos de fadas.
— Vovó, mas que mãos grandes você tem.
— É para te agarrar melhor!
— Mas, vovó, que terrível boca enorme é essa?
— É para te comer melhor.
E com isso o lobo saltou da cama, pulou sobre a pobre Chapeuzinho e a engoliu. Depois de ter saciado o apetite, o lobo voltou para a cama, adormeceu e começou a roncar, fazendo um barulho fenomenal. Um caçador, que naquele momento estava passando em frente à casa, ouviu o barulho e pensou: "Como pode uma velhinha roncar desse jeito? Melhor verificar".
Então ele entrou na casa e, ao chegar à cama, deparou-se com o lobo, a quem procurava havia tempo. "Ele deve ter comido a avó", pensou, "e talvez ainda seja possível salvá-la, por isso é melhor não atirar". Então, buscou a tesoura e cortou a barriga do lobo. Assim que deu os primeiros cortes, avistou o chapeuzinho vermelho brilhando, e, depois de mais uns cortes, a menina saltou para fora dizendo:
— Nossa, que susto. Estava tão escuro na barriga do lobo.
Logo depois, a avó também saiu com vida. Chapeuzinho correu para buscar pedras bem pesadas que eles colocaram na barriga do lobo, e, quando ele acordou e quis ir embora, as pedras pesaram tanto que ele acabou caindo morto.
Essa é a variante mais conhecida e adaptada para o gosto infantil. Um monstro assustador derrotado pela liga do bem formada por Chapeuzinho, vovó e caçador é o tipo de história que se espera contar para crianças na hora de dormir. Mas essa não é a versão mais antiga do conto.
A que primeiro ganhou popularidade foi a do francês Charles Perrault, publicada em 1697 (a dos irmãos Grimm só apareceu em 1812). São dele também algumas das versões mais famosas de Cinderela, Bela Adormecida e Gato de Botas, aliás. E, nas palavras do francês, a história de Chapeuzinho não termina tão redentora quanto a dos alemães: o final é bem mais cruel com a menina. Mas vamos voltar mais um pouquinho.
Para entender o tipo de narrativa que Perrault anotou para crianças, é preciso também entender o que o escritor fazia da vida e quais eram suas intenções ao escrever contos de fadas. Charles Perrault era membro da imensa corte do rei francês Luís 14, o Rei Sol, o mais perdulário dos absolutistas da época. Ao redor do monarca viveu uma das sociedades mais ... Essa é a história de uma Chapeuzinho Vermelho que faz striptease para o lobo, come e se delicia com a carne da própria avó e ainda recebe do lobo a proposta de fazer xixi em cima dele. obcecadas por luxo e excessos que os séculos passados conheceram. E, dentro dela, vivia Perrault, um escritor de origem burguesa e queridinho da realeza.
Por isso, é meio estranho que Perrault tenha entrado para a história como autor de contos de fadas da época da carochinha. O título original de sua coletânea de historietas é Contos do Tempo Passado com Moralidades, um título que deixaria qualquer vovozinha orgulhosa.
De fato, envergonhado com o tom antiquado do livro, Perrault nem sequer assinou a primeira edição da obra: creditou-a ao filho mais novo, Pierre Darmancour, com medo do julgamento que a alta sociedade faria de seu livro. O nome que acabou conquistando o mundo foi o que ficava logo abaixo do título oficial: Contos da Mamãe Ganso. Na capa, estava estampada a ilustração de uma pacata velhinha — uma avó ou uma babá — contando histórias para umas crianças ao lado da lareira.
E é exatamente nessa versão, dedicada aos pequeninos, que o final de Chapeuzinho não é tão feliz.
O Lobo, vendo-a [Chapeuzinho] entrar, disse-lhe, escondendo-se sob as cobertas:
— Ponha o bolo e o potezinho de manteiga sobre a arca e venha deitar aqui comigo.
Chapeuzinho Vermelho despiu-se e se meteu na cama, onde ficou muito admirada ao ver como a avó estava esquisita em seu traje de dormir. Disse a ela:
— Vovó, como são grandes os seus braços!
— É para melhor te abraçar, minha filha!
— Vovó, como são grandes as suas pernas!
— É para poder correr melhor, minha netinha!
— Vovó, como são grandes as suas orelhas!
— É para ouvir melhor, netinha!
— Vovó, como são grandes os seus olhos!
— É para ver melhor, netinha!
— Vovó, como são grandes os seus dentes!
— É para te comer!
E assim dizendo, o malvado lobo atirou-se sobre Chapeuzinho Vermelho e a comeu.
Chapeuzinho tira a roupa, entra na cama com o lobo e, sem mais nem menos, é devorada. E a história acaba assim, sem salvação, nem caçador heroico, nem final redentor.
Hoje em dia, é difícil entender como um livro para crianças podia conter um fim tão desastroso, mas a coleção do francês foi um sucesso. Acabou reeditada ainda no mesmo ano e Perrault logo colheu os louros e foi reconhecido como o autor. Isso mostra que os contos de fadas não foram um escorregão na gabaritada carreira do escritor. Perrault foi muito oportunista ao capturar o espírito de seu tempo — apenas alguém muito antenado perceberia que um livro com essa temática faria o sucesso que fez.
Assim, a obra de Charles Perrault não foi uma mancha na brilhante carreira de intelectual. Foi um best-seller mesmo. Na França, as narrativas perderam o escracho das fábulas italianas, mas ainda focavam na vida das camadas mais simples da população.
Quem começou a escrever e publicar essas histórias por lá foram as mulheres da alta sociedade parisiense. A escritora mais famosa dessa leva foi Marie-Catherine d'Aulnoy. É dela o conto de fada L'île de la félicité ("A ilha da felicidade"), de 1690, que inaugurou a febre por esse tipo de narrativa na nobreza. Foram as mulheres também que começaram a incluir as fadas nas narrativas, o que acabaria batizando todo o gênero (o que é curioso, porque há supreendentemente poucas fadas nas histórias mais populares).
Graças a d'Aulnoy a expressão contes de fée acabou se popularizando e sendo traduzida para outras línguas, como cuentos de hada, fairy tales, e o nosso "contos de fadas". Na Alemanha, eles são chamados de Märchen, diminutivo de Maere, que nas versões arcaicas do idioma queria dizer "mensagem", "acontecimento", "verdade". Ou seja, para os germânicos os contos de fadas são um pedacinho de vida real.
Mas voltemos à França. As histórias simples arrebataram os salões literários da época e todo escritor que prestasse passou a querer publicar esse tipo de obra. Perrault foi apenas o mais famoso deles. De fato, depois de algum tempo, havia tanta gente escrevendo contos de fadas que surgiu até um mercado paralelo de best-sellers que publicava imitações das obras originais, na tentativa de vender mais livros — tais quais as cópias e fanfics de Crepúsculo ou 50 Tons de Cinza, que surgiram no embalo dos originais. No final do século 17, esse tipo de literatura era tão popular que havia festas temáticas de contos de fadas, nas quais as pessoas iam fantasiadas de suas personagens favoritas.
Foi na França também que os contos ganharam status de literatura infantil. Havia pouco tempo que as crianças começaram a ser consideradas uma categoria à parte, com vontades e necessidades próprias. Deixaram de ser tratadas como pequenos adultos e viraram seres em formação. E nada melhor que usar contos de fadas, tão populares e abundantes, para formar esse novo público leitor.
Foi por isso que Perrault chamou seu livro de Contos com Moralidades: cada historinha vinha acompanhada de uma pequena lição ao final para educar os leitorezinhos. No caso de Chapeuzinho Vermelho, a dica era para as jovens meninas:
Crianças, especialmente as moças bonitas e bem-nascidas, jamais deveriam falar com estranhos, porque, se o fizerem, podem acabar virando janta de lobo. Eu digo "lobo", mas existem vários tipos de lobo. Há também aqueles que são charmosos, quietos, educados, modestos, complacentes e doces, que perseguem jovens mulheres em casa e nas ruas. E, infelizmente, esses lobos gentis são os mais perigosos de todos.
A mensagem não deixa dúvida para o alerta que o escritor queria dar. Menina de família não ficava por aí conversando com estranhos; afinal, ninguém sabe do que eles seriam capazes.
Na versão de Perrault, Chapeuzinho acaba devorada pelo vilão, e a culpa pela tragédia é da própria menina: quem mandou ficar de conversinha com um lobo mau? A vítima, injustamente, virou a culpada — não bastava ter sido devorada viva, ela ainda precisava ser advertida. A lógica está toda inversa. Isso explica o final cruel. Para que as crianças entendessem o recado, a menina tinha de ser punida por ter dado trela ao lobo. E, por mais perverso que possa parecer, o escritor sabia contra quem estava alertando.
A moral pode ter sido inspirada em um tipo de pessoa que o escritor conhecia muito bem.
Sobre Meninas e Lobos
Mas de onde Charles Perrault tirou essa história estranha de lobo vestido de mulher que come criancinha?
Durante muito tempo, até os anos 1950, acreditava-se que Perrault não havia se inspirado em nenhum conto mais antigo para escrever Chapeuzinho. No entanto, diversos pesquisadores provaram nos últimos anos que o escritor deve ter entrado em contato com outra história, muito popular na França dos séculos 17 a 19, que narra acontecimentos parecidos. É o conto "A Avó". Ele começa da maneira como conhecemos desde a infância: uma menina leva comida para a vovozinha e encontra um monstro terrível no meio do caminho. Mas o que vem em seguida é um pouquinho mais... bruto:
O lobisomem chegou à casa da vovozinha e a matou. Guardou um pouco da carne dela na despensa e uma garrafa do sangue na prateleira. A menininha finalmente chegou e bateu à porta.
— Empurre a porta — disse o lobisomem. — Ela está presa com um balde de água.
— Bom dia, vovó. Trouxe um pão quente e uma garrafa de leite para você.
— Coloque na despensa, minha filha. E pegue um pouco da carne que está lá e a garrafa de vinho na prateleira.
Enquanto a menina comia, um gato a observava e disse:
— Que vergonha! A cadela está comendo a carne e tomando o sangue da vovozinha.
— Tire a roupa, minha filha, e venha para a cama comigo — disse o lobisomem.
— Mas onde devo colocar o avental?
— Jogue-o no fogo. Você não vai mais precisar dele.
E ela perguntou onde deveria colocar todas as roupas: o corpete, o vestido, a anágua, os sapatos e as meias. E o lobisomem respondia:
— Jogue no fogo. Você não vai mais precisar deles.
Quando entrou na cama com ele, ela disse:
— Mas, vovozinha, como você está peluda!
— É para me manter aquecida, minha filha.
— Vovozinha, que unhas compridas você tem!
— É para me coçar melhor, minha filha.
— Mas, vovó, que ombros largos você tem!
— É para carregar lenha.
— E que orelhas grandes!
— É para ouvir melhor.
— E que nariz grande, vovozinha!
— É para cheirar melhor o meu tabaco, minha filha.
— Que boca grande você tem!
— É para te comer melhor, minha filha.
— Mas vovó, eu preciso fazer xixi lá fora!
— Não. Faça aqui na cama, minha filha.
— Não, vovó, eu realmente tenho que ir lá fora.
— Tudo bem, mas não demore.
O lobisomem amarrou um fio de lã no pé da menina e a deixou ir. Assim que ela chegou do lado de fora, a menina prendeu o fio em uma ameixeira do jardim. O lobisomem começou a ficar impaciente e gritou:
— Você está fazendo cocô? Você está fazendo cocô?
Ele não recebeu resposta; então, pulou da cama e foi correndo atrás da menininha, que havia escapado. Ele a seguiu, mas chegou à sua casa bem quando a menina conseguiu entrar.
Sim, você leu certo. Essa é a história de uma Chapeuzinho Vermelho que faz striptease para o lobo, come e se delicia com a carne da própria avó e ainda recebe do lobo a proposta de fazer xixi em cima dele.
O texto, que bem poderia ser uma versão satírica moderna, foi anotado em 1870 por um folclorista chamado Achille Millien, mas estudiosos acreditam que essa é a versão que circulava na França antes de Perrault escrever a história dele — inclusive nas regiões em que ele morava. Curiosamente, folcloristas encontraram versões dessa mesma narrativa, na qual um monstro se fantasia e faz a heroína comer uma pessoa, em culturas bem mais distantes: inclusive em Taiwan e na China. E há também uma versão italiana, chamada A Falsa Avó, na qual uma ogra oferece os dentes e as orelhas da avó para a protagonista comer.
Na França, Perrault provavelmente anotou o enredo que ele havia ouvido em algum momento da vida e o reescreveu. Evitou, por exemplo, chamar Chapeuzinho Vermelho de "cadela" e cortou os fluidos corporais todos. Também achou de bom-tom omitir a parte em que ela se delicia com a carne da avó. Além disso, Perrault adaptou a história ao seu próprio espaço e tempo e a inseriu na alta corte parisiense.
Repare como na versão contada acima não se menciona o "chapeuzinho vermelho" que dá nome ao conto, nem entre as peças de roupa que a menina joga no fogo. Foi o francês que inseriu esse item, seguindo a moda das mulheres de seu tempo. Na corte francesa, a peça mais popular para cobrir a cabeça era o chaperon, como já vimos. A capa vermelha e comprida hoje usada para ilustrar a menininha só foi acrescida quando o conto chegou à Inglaterra, porque lá, sim, era comum esse tipo de vestimenta entre as camponesas.
Interessante também é o fato de, na versão acima, não haver um lobo. No idioma original, o vilão era um "bzou", que significa algo como "lobisomem". Como vimos, a crença de que pessoas podiam se transformar em lobos e serem atacadas por seres sobrenaturais ainda era bem difundida. E é mais um dos elementos que ajudaram a compor o Chapeuzinho Vermelho que conhecemos hoje.
Fonte:
Trecho de: HUECK, Karin. O lado sombrio dos contos de fadas: as origens sangrentas das histórias infantis. São Paulo: Abril, 2016. Disponível na Amazon.