Existir, como ser humano, é apropriar-se de uma porção de átomos e de energia do meio ambiente e usá-los como veículo biológico.
Este veículo requer interações com o ambiente: ele requer combustíveis e suprimentos como oxigênio, água, minerais, vitaminas, gorduras, proteínas; ele precisa predar outros seres vivos para sobreviver. E se a mera existência orgânica impossibilita a neutralidade, a situação torna-se ainda mais complexa quando pensamos nas interações sociais. Então, dado que ninguém pode ser neutro, a cada indivíduo impõe-se uma decisão inescapável: como agir no mundo?
Tal decisão não é simples, pois ela definirá nosso caráter. E isso é especialmente verdadeiro nas relações humanas:
Existem apenas três opções para lidar com as pessoas: escravizando-se, tiranizando-as ou negociando. — Jordan B. Peterson
Para o psicólogo clínico Jordan Peterson, as relações saudáveis em uma sociedade são aquelas baseadas em negociações, isto é, com acordo entre as partes. A única alternativa à negociação é a violação ao respeito mútuo, por meio da violência ou da ameaça à violência, formando uma relação entre escravos e tiranos. É comum que a relação se configure desta forma quando a parte tirânica sabe que perderia no campo do debate e da negociação. Como apontou Isaac Asimov, "a violência é o último refúgio do incompetente".
Qualquer que seja a dinâmica, impera em nós a necessidade de encontrar um sentido de vida, algo que nos motive a acordar pela manhã, realizar certa tarefa, avançar em um projeto, enfrentar desafios e celebrar as conquistas. Em nosso cotidiano, todos vivemos como heróis de nossa própria Odisseia, replicando os passos do herói de mil faces de Joseph Campbell.
Ultrapassar obstáculos é o prazer pleno da existência, sejam eles de tipo material, como nas ações e nos exercícios, sejam de tipo espiritual, como nos estudos e nas investigações. A luta contra as adversidades e a vitória tornam o homem feliz. Se lhe faltar a oportunidade, irá criá-la como puder. — Arthur Schopenhauer
Na busca por encarnar o mito heroico, porém, é tentador criar vilões-espantalhos contra os quais lutar (como os moinhos contra os quais Dom Quixote lutava, acreditando serem gigantes), apenas para satisfazer nosso ego sedento pela sensação de conquista e autovalor.
E é na juventude que essa pulsão se manifesta com maior ímpeto: qualquer causa, bem entendida pelo indivíduo ou não, pode servir de desculpa para um ativismo ferrenho, tribalismo, fanatismo e violência. A lógica por traz da militância é superficial e, em última instância, irrelevante. Muitos jovens soldados nazistas, por exemplo, acreditavam piamente serem heróis, em uma cruzada nobre que seria celebrada por décadas.
Não raro, o indivíduo que quer salvar o mundo não é sequer capaz de pôr em ordem sua própria vida. Trata-se de um delírio juvenil muito comum: julgar-se na posse da solução para os problemas da humanidade, ainda que sua vida pessoal seja um caos. Psicologicamente falando, sua ânsia de resolver problemas abstratos e distantes é apenas uma fuga da realidade próxima, frente à qual se sente impotente.
Pensar grandes coisas é o melhor pretexto para não fazer as pequenas. — Jacinto Benavente y Martinez
Como tem insistido Dr. Jordan Peterson há anos, limpe o seu quarto antes de tentar reorganizar algo infinitamente mais complexo: a humanidade.
Se você quer transformar o mundo, experimente primeiro promover o seu aperfeiçoamento pessoal e realizar inovações no seu próprio interior. Estas atitudes se refletirão em mudanças positivas no seu ambiente familiar. Deste ponto em diante, as mudanças se expandirão em proporções cada vez maiores. Tudo o que fazemos produz efeito, causa algum impacto. — Dalai Lama
A grande maioria das pessoas nunca fará nada extraordinário. Ainda assim, cada qual pode contribuir muito para a felicidade e o bem-estar das pessoas à sua volta: sua família, sua comunidade, etc., nas pequenas ações do dia a dia. Como coloca Phillips Brooks, "o caráter pode se manifestar nos grandes momentos, mas ele é formado nos pequenos".
Assim, a melhor solução para a onda de niilismo que tem assolado muita gente nas últimas décadas é a adoção de responsabilidades, como pequenas missões a serem cumpridas pelo indivíduo. Para quem não vê sentido em suas vidas, ou que não enxerguem uma trajetória de vida a ser seguida, a adoção de responsabilidade e de uma postura madura é o antídoto mais eficiente:
Você quer dar sentido à sua vida? Tudo o que você faz importa. Essa é a definição de uma vida com sentido. Mas tudo o que você faz importa. Você terá que carregar isso com você. — Jordan B. Peterson
A partir das pequenas e grandes coisas que você faz em sua vida, sua Odisseia pessoal irá sendo escrita. Você está, em parte, no controle dessa narrativa: não será possível decidir quais quimeras aparecerão pelo caminho, mas como protagonista, você é capaz de controlar suas ações, seu caráter. E dependendo de seus feitos, eles transcenderão a duração de sua própria existência.
O melhor uso da vida consiste em gastá-la por alguma coisa que dure mais que a própria vida. — William James