Educação para a Liberdade, por Aldous Huxley
A educação para a liberdade deve começar por expor fatos e por proclamar valores, e deve ir ao ponto de gerar técnicas apropriadas à compreensão dos valores e ao combate de quem, por qualquer motivo, prefere a ignorância da realidade ou a negação dos valores.
A Ética Social [termo dos anos 1950, mais tarde alterado para Justiça Social] afirma que a educação é de máxima importância na definição do comportamento humano e que a natureza — o equipamento psicofísico com o qual os indivíduos nasceram — é um fator desprezível [isto é, tudo é construção social]. Porém, será isso realidade? Será verdade que os seres humanos nada mais são do que produtos de seu ambiente social? E se não for verdade, que justificativa pode alegar-se para se afirmar que o indivíduo tem menos importância do que o grupo do qual é membro?
Todos os informes disponíveis nos levam à dedução de que, na vida dos indivíduos e da sociedade, a hereditariedade não é menos expressiva do que a cultura. Todo indivíduo é biologicamente único e distinto dos demais indivíduos. A liberdade Quem experimenta os sentimentos que fazem agir, a vontade que supera os obstáculos? Certamente não será o ambiente social; pois um grupo não é um organismo, e sim uma cega organização sem consciência. Tudo o que é realizado numa sociedade é feito pelos indivíduos. é, pois, um grande bem; a tolerância, uma grande virtude; e a associação, uma grande desgraça.
Por razões práticas ou utópicas, os ditadores, os homens de organização e alguns cientistas estão ávidos por reduzir a exasperante diversidade de tipos humanos a um tipo de uniformidade manejável. Na primeira maré desse fervor behaviorista, J. B. Watson declarou, formalmente, que não conseguia encontrar "qualquer indicação em prol da existência de métodos de comportamento hereditários, nem de capacidades especiais (artísticas, etc.) que se supõem herdadas da família". Ainda hoje [década de 1950], ouvimos um eminente psicólogo, o professor B. F. Skinner, de Harvard, afirmar:
Quanto mais a explicação científica se torna abrangente, tanto mais a contribuição que se pode atribuir ao indivíduo tende a aproximar-se de zero. Os exaltados poderes criativos do homem, suas realizações artísticas, científicas e morais, sua capacidade de optar e o nosso direito de julgá-lo responsável pelas consequências da sua escolha — tudo isso é insignificante diante do novo autorretrato científico.
Em suma, [para Skinner] as peças de Shakespeare não foram escritas por ele, nem mesmo por Bacon ou pelo conde de Oxford; foram escritas pela Inglaterra elisabetana.
Há mais de sessenta anos, William James redigiu o trabalho Os grandes homens e o seu meio, no qual tentava defender o indivíduo excepcional contra os ataques de Herbert Spencer. Este havia declarado que a "Ciência" (essa personificação maravilhosamente conveniente das opiniões dos professores X, Y, Z, em determinada data) abolira totalmente o grande homem.
Conforme Spencer:
O grande homem deve ser classificado, juntamente com os outros fenômenos da sociedade que lhe deram origem, como um produto de seus antecedentes.
[O grande homem parece ser] o iniciador imediato de transformações... Porém, se quisermos encontrar para elas uma explicação algo verídica, é necessário que a procuremos nesse conglomerado de circunstâncias e de condições de que o grande homem e as modificações surgiram.
Eis uma daquelas profundezas vazias a que não se pode atribuir, talvez, qualquer sentido prático. O que o nosso filósofo diz é que temos necessidade de tudo conhecer antes de podermos compreender a fundo seja o que for. Não há dúvida. Realmente, porém, jamais teremos conhecimento de tudo. Devemos contentar-nos, portanto, com o conhecimento parcial e com as causas próximas — incluindo entre elas a influência dos grandes homens.
Escreve William James [em resposta a Spencer]:
Se qualquer coisa for humanamente certa, é que a sociedade do grande homem, propriamente dita, não o faz antes que ele possa refazê-la. Forças fisiológicas, com as quais as condições sociais, políticas, geográficas e, em larga escala, antropológicas, exercem tanta influência sobre o grande homem quanto a cratera do Vesúvio interfere na vacilação do gás que me alumia neste instante. Será que o Sr. Spencer pretende demonstrar que as pressões sociológicas dirigiram-se com tanto ímpeto sobre Stratford-on-Avon por volta de 26 de abril de 1564, que um certo William Shakespeare, com todas as suas peculiaridades mentais, teve de nascer lá?... Quererá ele afirmar que, se o supramencionado Shakespeare tivesse sucumbido de cólera infantil, uma outra mãe de Stratford-on-Avon deveria apresentar uma cópia igual ao original para restabelecer o equilíbrio sociológico?
O professor Skinner é um psicólogo experimental, e seu trabalho A ciência e o comportamento humano está solidamente baseado em fatos. Porém, infelizmente, estes pertencem a uma classe tão reduzida que, quando o autor se arrisca finalmente a fazer uma generalização, suas conclusões são tão elementares e tão desvinculadas da realidade quanto as do teórico vitoriano [Spencer]. Não podia ser de outra maneira, porque a indiferença do professor Skinner em relação ao que William James chamava "forças fisiológicas" é quase tão completa como a de Herbert Spencer.
As causas genéticas determinantes do comportamento humano são resumidas em menos de uma página pelo professor Skinner. Em seu livro não há a menor alusão às descobertas da medicina constitucional, nem a essa psicologia constitucional cujos princípios seriam os únicos que permitiriam (tanto quanto posso julgar) que narrássemos a biografia completa e realista de um indivíduo, em relação aos elementos relevantes de sua existência: o corpo, o temperamento, os dotes intelectuais, o meio imediato em cada instante, o tempo, a situação e a cultura.
Uma ciência do comportamento humano é semelhante à ciência do movimento num meio abstrato — necessária, mas, por si mesma, totalmente infiel aos acontecimentos. Consideremos uma libélula, um foguete, uma vaga que se desfaz. Os três casos ilustram as mesmas leis básicas do movimento; mas ilustram-nas de maneiras diferentes, e as peculiaridades são pelo menos tão importantes como suas semelhanças. Por si próprio, um estudo do movimento quase nada pode apresentar-nos sobre o que, em dado momento, está se movendo. Igualmente, um estudo do comportamento, por si próprio, quase nada pode dizer-nos sobre o composto corpo-espírito individual que, em um dado instante, apresenta determinado comportamento. Mas para nós, que somos compostos corpo-espírito, o conhecimento dos compostos corpo-espírito é de suma importância.
Acerca deste último ponto, Bertrand Russell está de pleno acordo com William James — e praticamente com toda a gente, acrescerei, com exceção dos representantes do pensamento de Spencer ou behaviorista. Segundo Russell, há três princípios nas modificações históricas: desenvolvimento econômico, teoria política e individualidades importantes. "Não creio", disse Russell, "que qualquer um deles possa ser ignorado, ou totalmente explicado, como efeito de causas de outra natureza".
Assim, se Bismarck e Lênin tivessem morrido na infância, o nosso mundo atual seria muito diferente do que, graças em parte a Bismarck e a Lênin, o é atualmente.
A história não é ainda uma ciência e só pode passar por científica graças a mitificações e omissões. — Bertrand Russell
Na vida real, na vida tal como é vivida no dia a dia, o indivíduo nunca pode ser esgotado por uma explicação. É apenas em teoria que suas contribuições parecem aproximar-se do zero; na prática, elas são de suma importância. Quando se executa um trabalho no mundo, o que o executa verdadeiramente? De quem são os olhos e os ouvidos que o percebem, o cérebro que o idealiza? Quem experimenta os sentimentos que fazem agir, a vontade que supera os obstáculos? Certamente não será o ambiente social; pois um grupo não é um organismo, e sim uma cega organização sem consciência. Tudo o que é realizado numa sociedade é feito pelos indivíduos.
Estes indivíduos são, certamente, profundamente influenciados pela cultura local, pelos tabus e preconceitos morais, pela informação correta ou incorreta que se transmitiu do passado ao presente no corpo das tradições orais ou da literatura escrita; mas seja o que for que cada indivíduo tira da sociedade (ou, para sermos mais explícitos, o que ele recebe de outros indivíduos Muitos sistemas éticos foram alicerçados sobre um ponto de vista sobre a natureza funestamente irrealista. Estes sistemas foram causa de males aterradores. reunidos em associações, ou dos arquivos simbólicos coligidos por outros indivíduos, vivos ou mortos), será empregado por ele em sua própria e única maneira com os seus sentidos, a sua formação bioquímica, o seu físico, o seu temperamento, e não com os dos outros.
Nenhuma explicação científica, por mais completa e profunda que seja, pode eliminar esses fatos evidentes. E lembremos que a concepção científica do homem como produto do meio social, proposta pelo professor Skinner, não é a única concepção científica. Há outras, aparentemente mais realistas. Consideremos, por exemplo, a apresentada pelo professor Roger Williams. O que ele aborda não é o comportamento em abstrato, mas compostos corpo-espírito exercendo comportamentos — compostos corpo-espírito que são, em parte, produtos do ambiente que partilham com outros compostos corpo-espírito e, em parte, produtos de sua hereditariedade particular. Em The human frontier e Free but unequal, o professor Williams discorreu, com provas abundantes e evidentes, sobre essas diferenças inatas entre indivíduos para as quais o Dr. Watson não encontrava qualquer apoio e cuja importância, aos olhos do Dr. Skinner, aproxima-se de zero.
Entre os animais, a diferença biológica dentro de uma dada espécie torna-se cada vez mais acentuada assim que subimos na escala da evolução. Essa diferença biológica é superior no homem, e os seres humanos apresentam um grau de diversidade bioquímica, estrutural e temperamental superior à dos seres das outras espécies. É um fato facilmente observável. Mas o que eu denominei a Vontade de Ordem, o desejo de impor uma uniformidade compreensível acima da diversidade embaraçante das coisas e dos acontecimentos, levou muita gente a desconhecer esse fato. Minimizaram a individualidade biológica e concentraram toda a atenção nos fatores ambientais mais simples, e, no estado atual do conhecimento, mais compreensíveis, implicados no comportamento humano.
Escreve o professor Williams:
Como resultado desse pensamento e dessa investigação sobre o ambiente, a doutrina da uniformidade primordial dos filhos do homem foi declaradamente aceita e propagada por um grande setor dapsicologia social, da sociologia, da antropologia social, e por muitos outros investigadores, incluindo historiadores, economistas, pedagogos, juristas e homens públicos. Essa doutrina foi associada ao modo de pensar corrente de muita gente que teve ocasião de trabalhar no campo da educação e da administração, e é muitas vezes aceita, sem discussão, por aqueles que pouco uso fazem de seu pensamento crítico.
É possível que um sistema ético fundado sobre uma apreciação claramente realista dos dados da experiência seja mais benéfico do que maléfico. Porém, muitos sistemas éticos foram alicerçados sobre uma apreciação da experiência, um ponto de vista sobre a natureza das coisas, que é funestamente irrealista.
Tais éticas ocasionarão, talvez, mais prejuízos do que benefícios. Assim, até uma época bastante recente, acreditava-se piamente que o mau tempo, as doenças do gado e a impotência sexual podiam ser, e eram realmente em muitos casos, ocasionados por ações malévolas de feiticeiros. Prender e exterminar feiticeiros era,O Alto Governo e o Grande Negócio já possuem, ou não tardarão a possuir, todas as técnicas de manipulação do espírito descritas no Admirável Mundo Novo, além de outras que, por falta de imaginação, não pude idealizar. por isso, um dever — e este dever, além disso, fora ordenado por Deus no segundo livro de Moisés: "Não sofras a fim de que viva um feiticeiro".
Os sistemas éticos e jurídicos que se alicerçavam sobre esse errôneo ponto de vista sobre a natureza das coisas foram causa (durante os séculos em que foram levados mais a sério pelos homens e pelas autoridades) de males aterradores. Os excessos de espionagem, de linchamento e de assassinato judicial, que essas errôneas concepções sobre a magia tornaram lógicos e obrigatórios, não foram igualados até os nossos dias, quando as éticas comunista e nazista, aprimeira alicerçada em pontos de vista errôneos sobre a economia, a segunda, em pontos de vista equivocados sobre as raças, ordenaram e justificaram atrocidades numa escala ainda maior. Consequências pouco menos indesejáveis seguem-se à aceitação generalizada de uma Ética Social [ou Justiça Social] alicerçada no ponto de vista errôneo de que somos uma espécie amplamente sociável, que os filhos dos homens nascem uniformes e que os indivíduos são o produto do condicionamento levado a efeito pelo e dentro do ambiente coletivo.
Se esses pontos de vista fossem corretos, se os seres humanos fossem, realmente, membros de espécies autenticamente sociáveis, e se suas diferenças individuais fossem as menores possíveis e facilmente superáveis mediante um condicionamento adequado, não haveria então necessidade de liberdade, e o Estado teria justificação para perseguir os heréticos que a reclamassem.
Para um inseto, o serviço da dedetização representa a liberdade perfeita. Porém, os homens não são seres totalmente sociáveis; são apenas ligeiramente gregários. Suas sociedades não são organismos, à semelhança da colmeia ou do formigueiro, porém organizações, ou, em outros termos, máquinas ad hoc preparadas para a vida coletiva.
No Admirável Mundo Novo de minha ficção, o comportamento socialmente desejável seria garantido por um processo duplo de manipulação genética e condicionamento pós-natal. As crianças seriam geradas em provetas, e estaria, assim, assegurado um alto grau de uniformidade do produto humano, devido à utilização de óvulos provenientes de um número reduzido de mães e graças ao tratamento a que cada um deles seria submetido, de maneira tal que seriam realizadas neles divisões e subdivisões até o infinito, gerando gêmeos idênticos em quantidades de uma centena ou mais. Assim, seria possível fabricar máquinas-padrão possuidoras de cérebro para servir a máquinas-padrão. E a padronização das máquinas detentoras de cérebro seria aperfeiçoada, após o nascimento, pelo condicionamento infantil através da hipnopedia e pela euforia quimicamente induzida como substituição para a satisfação de nos sentirmos livres e criadores.
No mundo em que vivemos, como foi assinalado em capítulo anterior, enormes forças impessoais estão agindo a favor da centralização do poder e de uma sociedade centralizada. A padronização genética dos indivíduos é, por enquanto, impossível; mas o Alto Governo e o Grande Negócio já possuem, ou não tardarão a possuir, todas as técnicas de manipulação do espírito descritas no Admirável Mundo Novo, além de outras que, por falta de imaginação, não pude idealizar. Incapazes de impor a uniformidade genética aos embriões, os dirigentes do superpovoado e superorganizado mundo do futuro tentarão impor a uniformidade social e cultural aos adultos e seus filhos.Em sua propaganda antirracional, os adversários da liberdade corrompem sistematicamente os recursos de linguagem com a finalidade de, através da bajulação ou do terror, levar suas vítimas a pensar, sentir e agir como eles, os manipuladores dos espíritos, querem que elas pensem, sintam e ajam. Para conseguirem este objetivo, lançarão mão (a menos que sejam impedidos de fazê-lo) de todas as técnicas de manipulação do espírito de que dispuserem, e não titubearão em reforçar esses meios de persuasão não racional com a pressão econômica e a ameaça de torturas físicas. Se desejamos que esse tipo de tirania seja evitado, devemos começar, sem demora, a educar-nos, a nós e aos nossos filhos, para a liberdade e o autogoverno.
Uma tal educação para a liberdade será, como disse, uma educação alicerçada, em princípio, em fatos e valores — os fatos atinentes à diversidade individual e à unicidade genética, e os valores de liberdade, tolerância e caridade mútuas que são as consequências éticas desses fatos.
Porém, infelizmente, conhecimento exato e princípios sólidos não são suficientes. Uma verdade corriqueira pode ser eclipsada por uma falsidade apaixonante. Um apelo hábil à paixão é, geralmente, demasiado forte contra as melhores das boas intenções. As consequências da propaganda falsa e perniciosa só podem ser bloqueadas por um treinamento sólido no sentido de analisar suas técnicas e de enxergar claramente através de seus sofismas. A linguagem tornou possível o progresso do homem da selvageria à civilização. Contudo, a linguagem inspirou, também, essa loucura perseverante e essa maldade sistemática, essa maldade verdadeiramente diabólica, que moldam o comportamento humano tanto quanto as virtudes do pensamento metodicamente previdente e a contínua benevolência angelical inspiradas pela palavra.
Àqueles que a usam, a palavra permite que prestem atenção às coisas, às pessoas e aos acontecimentos, mesmo quando as coisas e as pessoas estão ausentes e os acontecimentos estão por se realizar. A linguagem dá clareza e nitidez às nossas recordações e, traduzindo as experiências em símbolos, converte a fugacidade imediata do desejo ou do horror, do amor ou do ódio, em princípios duradouros do sentimento e da conduta, de maneira que, subconscientemente, o sistema reticular do cérebro seleciona, de uma quantidade inumerável de estímulos, aquelas parcas experiências que são de importância prática para nós.
Porém, sob a influência de palavras mal selecionadas, aplicadas, sem qualquer compreensão do seu caráter meramente simbólico, a experiências que foram separadas e abstraídas à luz de um sistema de ideias errôneas, somos capazes de nos comportar com uma perversidade e uma estupidez organizadas de que os animais mudos (precisamente porque são mudos e não conseguem falar) são, felizmente, incapazes.
Em nenhuma parte se ensina às crianças um meio sistemático de distinção entre afirmações inverídicas e verdadeiras, com sentido ou sem sentido. Em sua propaganda antirracional, os adversários da liberdade corrompem sistematicamente os recursos de linguagem com a finalidade de, através da bajulação ou do terror, levar suas vítimas apensar, sentir e agir como eles, os manipuladores dos espíritos, querem que elas pensem, sintam e ajam. Uma educação para a liberdade (e para o amor e para a inteligência, que são, ao mesmo tempo, as condições e as consequências da liberdade) deve ser, entre outras coisas, uma educação que nos leve ao emprego correto da linguagem.
No transcorrer das duas ou três últimas gerações, os filósofos dedicaram grande parte do seu tempo e pensamento à análise de símbolos e ao significado do significado. Como se relacionam as palavras e as frases que pronunciamos com as coisas, pessoas e fatos com os quais estamos em contato na nossa vida diária? A discussão desse problema nos tomaria bastante tempo e nos levaria demasiado longe. Basta assinalar que todos os estímulos intelectuais necessários para nos instruirmos no emprego exato da linguagem — em todos os níveis educativos, desde o jardim de infância até os cursos para pós-graduados — estão atualmente à nossa disposição. Uma tal educação na arte de distinguir entre a aplicação correta e o uso incorreto dos símbolos pode ser posta em prática de imediato. Na verdade, poderia ter sido ativada em qualquer ocasião, durante os últimos trinta ou quarenta anos. E todavia, em nenhuma parte se ensina às crianças um meio sistemático de distinção entre afirmações inverídicas e verdadeiras, com sentido ou sem sentido. Por que acontece isto? Porque os mais velhos que elas, mesmo nos países democráticos, não desejam que sejam educadas dessa maneira.
Neste contexto, a breve e triste existência do Institute for Propaganda Analysis é bastante significativa. O instituto foi fundado pelo Sr. Filene, filantropo da Nova Inglaterra, em 1937, no auge da propaganda nazista. Sob seus auspícios elaborava-se uma análise da propaganda não racional, e eram preparados vários textos para educação dos estudantes dos liceus e das universidades. Surgiu então a guerra — uma guerra ampla em todas as frentes, na frente intelectual não menos do que na frente física. Com todos os governos aliados envolvidos na "guerra psicológica", insistir na necessidade ou não de analisar a propaganda podia parecer falta de tato. O instituto foi fechado em 1941. Porém, mesmo antes de terem início as hostilidades, havia muita gente contrária às suas atividades.
Certos educadores, por exemplo, não adotavam o ensino da análise da propaganda, com a desculpa de que isso tornaria os adolescentes indevidamente cínicos. Ele também não era bem recebido pelas autoridades militares, que tinham receio de que os soldados pudessem começar a analisar as palavras dos sargentos instrutores. E havia ainda os eclesiásticos e os especialistas em publicidade. Os eclesiásticos eram contrários à análise da propaganda porque ela tendia a solapar a fé e a diminuir a frequência às igrejas; os especialistas em publicidade faziam objeções à análise da propaganda com o argumento de que ela podia minar a fidelidade à marca dos produtos anunciados e reduzir as vendas.
Esses receios e repugnâncias não são infundados. Um exame demasiado crítico, efetuado por muitos homens de nível médio, do que é dito pelos seus pastores e superiores pode revelar-se profundamente subversivo. Em sua forma atual, a ordem social depende, para continuar a sobreviver, da aceitação, sem que isso venha a causar problemas embaraçantes, da propaganda veiculada pelas autoridades e da propaganda consagrada pelas tradições locais. O problema, mais uma vez, é encontrar o meio-termo. Os indivíduos devem ser suficientemente sugestionáveis para querer e poder assegurar o funcionamento de sua sociedade, mas não em demasia, para evitar que caiam, desamparados, sob o império dos manipuladores de cérebro profissionais.
Essa abordagem um tanto negativa do problema deverá ser suplementada por algo mais positivo — a exposição de um conjunto de valores geralmente aceitos, apoiados numa sólida base de fatos constatados. Em primeiro lugar, o valor da liberdade individual, alicerçado nos fatos da diversidade humana e na individualidade genética; o valor da caridade e da compaixão, assentado no velho fato familiar recentemente redescoberto pela psiquiatria moderna — o fato de que, seja qual for a sua diversidade física ou mental, o amor é tão imprescindível aos seres humanos como o alimento e o abrigo; e, por fim, o valor da inteligência, sem o qual o amor e impotente e a liberdade, inacessível.
Esse conjunto de valores nos fornecerá um critério segundo o qual a propaganda poderá ser analisada. Aquela que for reconhecida ao mesmo tempo como absurda e imoral poderá ser abolida de imediato. A que for simplesmente irracional, porém conciliável com o amor e com a liberdade, e não por princípio oposta ao exercício da inteligência, poderá ser aceita provisoriamente pelo que vale.
Fonte:
HUXLEY, Aldous. Educação para a liberdade. In: ______. Regresso ao Admirável Mundo Novo. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.