Para quem não é propriamente nerd, aqui vai o resumo do mistério: as Entesposas, a fêmeas da raça dos Ents, de O Senhor dos Anéis, há muito haviam desaparecido, e nem o autor, Tolkien, sabia responder o que acontecera com elas.
Os Ents, é claro, são uma raça de homens-árvore, embora não sejam nem homens, nem árvores. São conhecidos como os pastores de árvores, e vivem na Floresta de Fangorn, na Terra-Média. Se você assistiu aos filmes, sabe de quem estou falando. Se não assistiu, vá assistir.
Por eras e eras, os Ents perguntaram-se o que diabos havia ocorrido com as fêmeas de sua espécie, e o que seria da raça dos Ents quando todos eles acabassem morrendo. A resposta para esta última pergunta é óbvia, mas os Ents são um pouco lentos. Finalmente, porém, descobrimos o paradeiro — e triste destino — das Entesposas. São informações exclusivas do próprio Tolkien, via entrevista psicografada.
Estranhas ideias começaram a circular entre as Entesposas:
— Por que somos chamadas de Entesposas, mas os homens não são chamados de Entes-maridos?
— Nossa função é só ser esposas? É só isso que somos?
— E se quisermos ser Entesolteiras? O patriarcado Ent vai nos deixar?
— E as Ents lésbicas? Como fica? Temos que desconstruir essa heteronormatividade!
Conta-se que, após milênios de protestos feministas, queimas de sutiãs vegetais e greves de sexo/polinização, as Entesposas concluíram que não precisavam dos machos para nada, e partiram para sempre de Fangorn.
Uma Entesposa sem um Ent é como uma flor sem um cavalo.
Pouco tempo depois, ao se estabelecerem em uma nova floresta, uma horda de orcs imigrantes solicitou abrigo entre suas árvores. Os orcs foram recebidos com hospitalidade, mas logo começaram a cortar e queimar as árvores, destruir a fauna, esmagar as flores e assediar sexualmente as Entesposas (que agora chamavam a si mesmas de Entempoderadas). A crise migratória dos orcs só fez se agravar.
Estava claro que o melhor a fazer era expulsar os orcs, mas as Entesposas, sempre cheias de empatia pelos grupos marginalizados, redobraram seus esforços para acolher os orcs em sua floresta. Os crimes e a destruição só aumentaram, e quanto mais aumentavam, mais empatia os orcs recebiam, e mais e mais eram convidados à floresta, incluindo goblins, trolls e outras criaturas estigmatizadas na Terra-Média.
Por fim, os orcs despedaçaram todas as Entesposas com seus machados, e queimaram-nas para se aquecer — ou para fazer troça delas. Nada sobrou de seu quase glorioso matriarcado.
E num futuro próximo, a mesma tragédia pode transcorrer por aqui, fora da literatura.
Algumas pessoas ainda não foram avisadas de que os famosos cinco elementos são uma farsa completa. Talvez fizesse algum sentido há mil anos. Não mais. Cada um dois cinco elementos é mais estúpido do que o anterior, e não posso mais manter meu silêncio em relação a essa fraude revoltante.
Ah, os cinco elementos: foto, água, ar, terra... e éter. Quantos filósofos e sábios da antiguidade, quantos protocientistas, alquimistas, curiosos não acreditaram nesta elegante base de cinco fundamentos para todas as demais peças do universo físico. A humanidade estava em sua infância, e ainda acreditava em fadinhas do dente. Chega dessas bobagens.
O fogo não é nem elemento, nem mesmo é feito elementos. O fogo é apenas a energia liberada durante a transformação química de outros elementos, nas formas de radiação (calor) e fótons (luz). Um papel em chamas é um tipo de matéria (celulose, entre outros) sendo convertida em outra forma de matéria (em cinzas, restos de carbono sólidos, e a fumaça, constituída principalmente de dióxido de carbono). Ou seja: fogo não é uma coisa, é um processo. É a liberação de energia.
Já a água é o que temos de mais próximo de um elemento. O único problema é que ela é, na verdade, dois elementos, oxigênio e hidrogênio. Este erro dos pensadores antigos é o mais perdoável, porque ainda não se conheciam os verdadeiros elementos básicos indivisíveis, e seria sensato assumir que a água é feita de um deles, até que se obtivesse prova contrária.
O ar enquadra-se em situação semelhante: seria sensato pensar que ele é algo uniforme, em tempos remotos. Porém, não estamos em "tempos remotos" (ou estamos?). O ar é formado por dezenas de elementos (oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, etc.) e gases mais complexos constituídos pela combinação de elementos (como o dióxido de carbono). E o pior: a água faz parte do ar. Na forma de vapor, a água é um dos constituintes do ar.
Mas talvez a substância que contenha a maior diversidade de elementos seja a terra, que pode conter, entre suas partículas, tanto ar e água quanto todo tipo de resíduos inorgânicos e orgânicos. De perto, a terra é formada por minerais, restos de plantas e animais, além de possuir uma pluralidade incalculável de seres vivos decompositores (bactérias, fungos, animais minúsculos...). A terra é o pior elemento fundamental, pois é o que menos se parece com algo indivisível.
E o por fim temos o éter, que nem sequer existe. Uma analogia simples serve para explicar o éter: se todas as coisas no universo são um desenho, o éter seria o papel no qual o desenho foi feito. Conforme a física moderna, porém, este papel de fundo não é real — as coisas existem umas em relação às outras, sem um pano de fundo absoluto (daí a ideia de relatividade). Mesmo no passado, o éter sempre foi apenas uma hipótese, já que não se pode detectá-lo, medi-lo, testá-lo.
Mas num futuro próximo, não tenho dúvida de que estaremos jogando a Tabela Periódica no lixo, e retornando às nossas origens alquimistas.
Afinal, a verdade é subjetiva, e devemos trazer para a ciências as crenças populares ancestrais. Devemos tratar o saber das tribos de caçadores-coletores (indígenas e africanas) como cientificamente válidas. Devemos decolonizar as faculdades, livrando-nos do cientificismo colonizador europeu cartesiano positivista capitalista neoliberal cristofascista patriarcal imperialista xenofóbico racista machista homofóbico transfóbico e supremacista branco.
Ou pelo menos é o que nossas universidades têm defendido apaixonadamente. E quando elas conseguirem alcançar a utopia, a Nova Tabela Periódica terá apenas cinco elementos outra vez.
Hoje, mais do que nunca, faz-se crucial o banimento de toda ou qualquer forma de discurso de ódio, bem como de outras formas de ofensa, como palavras ou manifestações que causem desconforto ou abalo à autoestima das mulheres. Se, por um lado, temos o genocídio verbal como um dos atos mais graves, do lado oposto temos as microagressões, que muitas vezes falhamos em identificar.
A identificação das microagressões pode ser um tanto complexa, dado seu caráter subjetivo e ambíguo. Uma boa forma de familiarizar-se com o tema é o Dicionário de Microagressões, em 28 volumes, organizado pela Dra. Sora Mingos. Seguem alguns exemplos de microagressões:
"Você é muito bonita, de rosto."
Motivo: Deixa-se implícito nesta frase que a pessoa-vítima não tem um corpo bonito, o que é falso, visto que todas as mulheres merecem ser belas.
Em vez disso, diga: "Você é completamente bonita. Todas as mulheres são bonitas."
"Foi promovida? Que sorte."
Motivo: Por trás deste comentário aparentemente inocente, esconde-se a nefasta ideia de que a pessoa-vítima não obteve sua promoção de emprego por mérito,* mas por sorte, servindo como alegação infundada de incompetência.
Em vez disso, dia: "Foi promovida? Você sem dúvida mereceu! Todas as mulheres merecem tudo o que há de bom no universo."
* Nota: Embora saibamos que a meritocracia é uma falácia, sendo a ideia de mérito uma construção patriarcal, neste contexto optamos por tratá-la como algo positivo, não havendo, portanto, qualquer contradição.
"Você é forte como um homem."
Motivo: Não se deve atribuir qualquer característica considerada positiva ao homem.
Em vez disso, diga: "Você é forte como uma mulher. Todas as mulheres são fortes."
"Seu cabelo liso fica mais bonito."
Motivo: Não se deve elogiar uma mulher comparando uma opção A com uma opção B, pois isso a levará a concluir que uma das opções não é tão boa, e isso ferirá sua autoestima.
Em vez disso, diga: "Seu cabelo liso é bonito da mesma forma que seu cabelo crespo. Todos os tipos de cabelo são igualmente bonitos. Não existe hierarquia de beleza. Todas somos iguais."
"Como conseguiu arrumar um emprego desses?"
Motivo: Dá a entender que a pessoa-vítima não estaria qualificada para o emprego que obteve.
Em vez disso, diga: "Não me diga como você conseguiu esse emprego, eu já sei: é porque você é uma mulher maravilhosa. Todas as mulheres são maravilhosas."
"Você fala o idioma muito bem."
Motivo: Ainda que pareça um elogio, trata-se de uma forma velada de relembrar uma pessoa estrangeira de que ela veio de outro país. Como se sabe, ser um estrangeiro é algo ruim, então não se deve fazer comentários que aludam à nacionalidade de ninguém.
Em vez disso, não diga nada.
Os traumas causados por comentários como esses sobre as mulheres são inestimáveis. Esperemos que, num futuro próximo, todas estas infrações abomináveis sejam punidas com a pena de morte, em nome do feminismo.
Arqueólogos do futuro têm trazido à luz informações fascinantes sobre universos paralelos ao nosso. Em um deles, descobriu-se que o famoso conto de fadas Branca de Neve e os Sete Anões, dos Irmãos Grimm, fora mesclado com a história folclórica dos três porquinhos, em uma versão bastante diferente da que conhecemos.
Nesta versão alternativa, Branca de Neve também é uma jovem bela e inocente, mas suas aventuras tomam rumos curiosos. Com a morte de seu pai, que era rei naquela região, sua madrasta assume o controle do reino e passa a buscar um novo marido. Obcecada nesta procura por algum rei ou príncipe que pudesse substituir o monarca anterior, a rainha pouco caso faz da educação de Branca de Neve, largando-a à própria sorte.
A jovem, assim, acaba perdendo-se pelos caminhos tortuosos do mundo. Embora ainda virgem, devido à instrução conservadora que recebera do pai, Branca de Neve logo conheceu os animais da floresta, e o Lobo Mau abriu-lhe as portas para a drogadição. Vendendo nudes pela internet para custear suas necessidades, Branca de Neve foi tornando-se cada vez menos branca por metro quadrado, à medida que fazia tatuagens dos pés até a nuca.
Apesar dos muitos nudes que produzira, aos quais se podem juntar algumas performances como stripper, nossa donzela só veio a perder a virgindade com seu primeiro namorado, o Porquinho Palha. Branca de Neve ainda era bastante tímida e se sentia insegura diante de expressões firmes de masculinidade; Palha, porém, revelara-se o tipo ideal para ela: um porquinho jovem e de aparência inofensiva — magrelo, um tanto inseguro —, com rosto belo e cabelo charmoso. A jovem apaixonou-se por sua fofura e o adotou.
Com o passar do tempo, porém, sua relação passou a sofrer em razão da passividade de Palha. O porquinho vivia no sótão da casa de seus pais, e em vez de procurar um emprego, passava os dias bebendo cerveja, fumando maconha e jogando videogame. Branca de Neve percebeu que aquele relacionamento não iria a lugar algum: Palha parecia-lhe um perdedor, embora ela não ousasse categorizá-lo com tal palavra. Sua paixão não tardou a esvaecer.
Por comodismo, manteve a relação com Palha até conhecer o Porquinho Pau, um tipo alto, forte e viril. Pau não era rico, nem príncipe, mas seu padrão de vida era obviamente superior ao de Palha. Brande de Neve encantou-se com a possibilidade de um novo parceiro e valeu-se de todas as melhores técnicas de sedução para conquistá-lo. E com sucesso!
Dizia-se por aí que Pau era um chad, mas Branca de Neve nunca chegou a descobrir o que a palavra significava. O que ela descobrira é que nunca tivera relações realmente sexuais até conhecê-lo. Ela agora subia pelas paredes por ele.
Infelizmente, este seu novo relacionamento durou ainda menos do que o anterior. Pau não tinha qualquer interesse em monogamia, e embora prometesse exclusividade para Branca de Neve, tornou-se evidente que ele a traía pelas costas. Em sua paixão, a jovem chegou a aceitar a poligamia de Pau, apenas para poder vê-lo uma vez por semana e nutrir a ilusão de que eram namorados. As cobranças, o ciúme e as demandas por gestos românticos acabaram cansando o Porquinho Pau, no entanto, e ele viu-se forçado a terminar a relação.
Foi neste período de profunda tristeza, solidão e desespero que Branca de Neve conheceu os sete anões. Conheceu-os um de cada vez, pelo Tinder, na esperança de encontrar um novo amor. Mas em vão.
Confusa, Branca de Neve chegou à conclusão de que não havia mais animais bons para namorar, muito menos para casar. Os bons provavelmente já tinham dono. Vendo o tempo passar e as rugas a chegar, a jovem alcançou os trinta, e depois os trinta e cinco, e o horror de morrer sozinha, e sem filhos, passou a consumi-la. Decidiu, então, procurar a madrasta. As duas nunca haviam se dado bem, mas Branca de Neve ponderou que os conselhos de uma mulher mais velha poderiam ajudá-la.
Ocorreu que, ao escutar a história de Branca de Neve, a rainha não apenas compadeceu-se dela, mas também decidiu ajudá-la. Valendo-se de truques de bruxaria, a madrasta lograra aparentar juventude e beleza, e com estas manipulações e tantas outras, arranjou para si um novo marido. O consorte agora governava o reino, permitindo à rainha viver na comodidade, tranquila e sem as preocupações de administração de Estado. Este mesmo conjunto de feitiçarias, ela ensinou a Branca de Neve.
E sucedeu que a já não tão jovem Branca de Neve pôs-se à procura de um parceiro provedor, conforme o aconselhamento sábio da madrasta. O candidato deveria ser rico, de vida estável, mas relativamente feio e impopular, caso contrário ele poderia abandonar Branca de Neve por uma mulher mais jovem, assim como fez o Porquinho Pau. Cuidando estes critérios, ela veio a conhecer o Porquinho Tijolo — e ao encontrá-lo, ela soube que precisaria ser aquele. Seu tempo estava acabando.
Branca de Neve ofertou ao Porquinho Tijolo sua maçã encantada, e Tijolo apreciou-a sobremaneira. Aquela sem dúvida não era a maçã mais saborosa do reino, mas Tijolo, àquelas alturas, sequer lembrava o gosto da fruta, pelo que qualquer uma meramente doce já lhe bastava.
Assim é concluído nosso conto de fadas: Branca de Neve celebra casamento com o Porquinho Tijolo, e os dois vêm a ter um filho. Poucos anos depois, Branca de Neve pede o divórcio, e agora bancada por uma pensão faustosa e agraciada com a guarda do filho, vai viver com a madrasta, cercada de gatos e outros animais de estimação.
E viveram felizes para sempre.
Arial não era uma sereia qualquer. Entre todas as criaturas do oceano, ela era a mais bela, a mais nobre, a mais preciosa. Seu pai, o Rei Roman, regia os sete mares com nadadeiras de ferro, mas estaria disposto a abandonar tudo por sua filha mais querida. Já sua mãe, Verdana, tinha por hábito maltratar a pequena Arial, enciumada pelo afeto excessivo que o marido dedicava à filha.
Ocorre que a Princesa Arial, apesar de todos os seus privilégios — os de sua classe social, os de sua família nobre e rica e os de sua beleza inata —, sofria de um mal perturbador e incomum: ela era transespécie. Incontáveis médicos marítimos tentaram explicar ou curar a condição, sem sucesso. Diagnosticavam-na com a chamada disforia de espécie: Arial era biologicamente uma sereia, mas identificava-se como humana.
Durante a infância, Arial viveu alienada de sua verdadeira identidade, confusa devido aos padrões sociais espécie-normativos. Foi apenas na adolescência que entrou em contato com a teoria queer fish e com o feminismo aquático, o que abriu seus olhos para a ampla gama de possibilidades de ser no mundo. Autores como Garamond, a ostra marxista, Cambria, o camarão que desenvolvera a teoria crítica de espécie, e Calibri, a arraia feminista interseccional, inspiraram-na e a sensibilizaram para a necessidade de autorrevolução.
Assim, Arial decidiu-se por abandonar a sociedade patriarcal regida por seu pai: embora o amasse, não podia tolerar o sistema fascista, capitalista, neoliberal e conservador promovido pela monarquia oceânica. Ela sabia que, no fundo, o Rei Roman era motivado pelo desejo de poder, traço óbvio da masculinidade tóxica, e que sua mãe havia internalizado a misoginia a tal ponto que já não se podia salvá-la.
A próxima etapa foi, é claro, a cirurgia de mudança de espécie. Arial procurou a única cirurgiã que ousara se tornar especialista neste tipo de operação, devido ao banimento de tal prática pelo Rei: a Doutora Helvetica, a polva. O procedimento foi um sucesso, e Arial passou a ter duas pernas, em vez de uma cauda de peixe. Helvetica ainda a instruiu a tomar hormônios humanos periodicamente, para regular seu metabolismo fora do oceano.
É desnecessário dizer que Arial sofreu todo tipo de preconceitos ao ingressar no mundo dos humanos. Mas sua luta por aceitação havia apenas começado. Com o tempo, acabou se envolvendo com um mercador africano e teve uma filha: a jovem Arial Black, que mais tarde viria a ser maldosamente apelidada pelos gordofóbicos de Arial Bold, devido à sua obesidade fora dos padrões de beleza patriarcais.
Hoje, Arial é um exemplo de superação. Ativista pelo direitos das baleias e pela limpeza dos oceanos, a ex-princesa tem promovido campanhas para a transição operatória de sereias em humanos e de humanos em sereias, provando ao mundo que tudo é possível, e que os grilhões da realidade não devem servir de barreira para nossos sonhos.
Atualização do Editor: Arial foi encontrada morta esta manhã, em sua casa no Leblon. Seu corpo foi achado na banheira do apartamento, submerso em água misturada com sal grosso. Segundo o inspetor C. Sans, a polícia tem suspeitas de suicídio, mas a causa do falecimento ainda não foi determinada.